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terça-feira, 1 de abril de 2014

Ditadura e racismo: dois lados de uma mesma luta - Letícia Parks¹


Ditadura e racismo: dois lados de uma mesma luta
Letícia Parks¹
Revista Contra Corrente - Editora Iskra.

     Fundado sob a escravidão, o Brasil carrega na sua história o sangue das negras e negros
roubados de sua terra para cumprir o papel que o mercantilismo inglês comandava: grandes plantações de cana de açúcar que, junto à “mercadoria” humana da África, geravam os exorbitantes lucros que constituíram uma das bases do desenvolvimento pioneiro do capitalismo na Inglaterra.
     No apogeu da hegemonia inglesa, a Europa se vê atravessada pelos ideais da Revolução Francesa, de igualdade, liberdade e fraternidade. O decorrer da história demonstrou rapidamente como essa igualdade se restringe aos que têm posses, a liberdade apenas à circulação de mercadorias e capitais, e a fraternidade, quando a diplomacia não dá lugar a guerras, se resume às negociações entre a classe burguesa, que se confraterniza contra seus inimigos trabalhadores.
     A Revolução Francesa encontrou na questão colonial um importante dilema. Igualdade, liberdade, fraternidade se tornaram formalmente opostos à vasta rede colonial francesa. É seguro dizer que o tratamento dado às colônias pela burguesia no poder foi um limite claro da Revolução Francesa. Os entraves liberados pela tomada da bastilha foram
contidos com força nas colônias, não somente pelos setores mais privilegiados da nova classe dominante, como também pelas classes dominates na França. Manter as colônias sob o regime escravista era um interesse compartilhado entre os novos e antigos donos do poder. Entretanto, conquistar os direitos políticos obtidos no continente tornou-se sinônimo, nas colônias, de defesa da Revolução Francesa contra a reação.
     Foi sob o calor da Revolução Francesa, e a princípio em seu nome, que a mais profunda revolução negra – em São Domingos – tomou corpo. Toussaint L’ouverture organizou os escravos insurretos sob o som da Marseillaise contra a escravidão e osdonos de terras locais, representantes da velha ordem. Contudo, a luta contra a escravidão, que garantiu liberdade aos negros em 1794, mostrou-se indissociável da busca por independência politica, obtida em 1804 em luta direta contra o mais poderoso exército da época.
     Ainda hoje o Haiti sofre as consequências das dezenas de empréstimos realizados para pagar os US$ 90 milhões de indenização exigidos pela França por ter conquistado sua independência.
     Em meio a toda a ideologia burguesa, o discurso da igualdade torna-se lei geral. Este não se aplica à realidade, mas cada indivíduo toma para si o que apenas para a classe burguesa é realidade2. Quando se diz que há racismo, exemplos de ascensão social dos poucos negros de classe média ou que assumiram postos de poder no capitalismo são vomitados. Obama torna-se um líder para uma série de setores do movimento negro, demonstrando à grande massa negra e pobre que é possível que um negro ocupe um lugar de destaque dentro do capitalismo. Contudo, estes netos, bisnetos e tataranetos de escravos continuam sofrendo as mazelas da precarização do trabalho, do desemprego, da falta de moradia e das péssimas condições de saúde e educação.
Após a abolição da escravidão no Brasil, o povo negro se viu substituído pelo trabalhador europeu, importado como mão de obra barata em lugar do trabalhador escravo que vinha há séculos se colocando em luta contra a sua condição social.
    Esses trabalhadores, com a abolição, passaram a uma condição de pária social, por fora de toda a produção, impedidos pela Lei de Terras de se assentar na terra abundante para cultivar para sua própria subsistência. Foram condenados a vagar pelos campos formando quilombos - logo reprimidos - ou se aglomerar em favelas nos centros urbanos, submetendo-se aos piores trabalhos e ao desemprego. Quando pensamos a questão negraligada à historia de nosso país, é possível entender porque são os negros os que reclamam terra nos movimentos sem-terra, porque são os negros que reclamam moradia nos grandes centros, território da especulação imobiliária.
     Diferentemente dos EUA e demais países imperialistas, que avançaram na realização de reformas democráticas estruturais consolidando as bases para sua expansão colonial, no Brasil as questões democráticas estruturais mais importantes, como a questão agrária e a questão urbana, nunca foram encaradas de forma minimamente séria pela classe dominante. Questões como a terra, a educação e a moradia só poderiam ser seriamente encaradas a partir de uma ruptura com o imperialismo, o que a subserviente burguesia brasileira nunca cogitou, pelo medo do proletariado e das massas camponesas e por sua dependência orgânica em relação ao capital estrangeiro. É nesse marco que o Brasil se desenvolve como um país estruturalmente dependente do trabalho precário, da mão de obra não especializada e semianalfabeta, tendo o racismo cumprido um papel historicamente fundamental para a reprodução dessa estrutura. A existência do racismo no Brasil é parte fundamental da manutenção da localização semicolonial do país a nível mundial. Se, mesmo num país como os EUA, que realizou sua própria reforma agrária, a opressão histórica ao povo negro foi fundante para a formação do seu capitalismo, num país atrasado como o Brasil essa opressão cumpre um papel ainda mais estrutural, inseparável da questão agrária e da questão urbana.
     Questões como essas, em um país semicolonial como o Brasil, passam a ter um caráter necessariamente anti-imperialista, irrealizáveis por uma democracia burguesa. Trotsky, na Teoria da Revolução Permanente, demonstra que dentre as tarefas de uma revolução socialista levada à frente pela classe trabalhadora num país semicolonial, está há de aliar-se aos povos que exigem essas demandas democráticas, pois estes precisam necessariamente colocar-se contra o imperialismo que explora essa nação, assim como contra a burguesia nacional submetida ao capital estrangeiro, para que estas demandas sejam realizáveis. Ou seja, encarar seriamente essas questões democráticas estruturaise históricas depende da existência de um Estado que não seja palco dos negócios burgueses, de uma economia destinada a todo o povo, não ao bolso cheio de uma já confortável burguesia.

Racismo e ditadura militar

    Sob uma condição de miséria advinda da escravidão e da libertação que nos lançou sem empregos e sem terras por todo o país, jamais deixamos de ocupar o espaço do trabalhador mais precário. Tanto ontem quanto hoje, para controlar essa situação, é preciso que se reprima duramente o povo negro, com as forças armadas do Estado operando violentamente sobre a primeira população a sentir a precarização da vida, a concentração de renda nas mãos de poucos e o crescimento da miséria para a maioria.
     Quando a situação de contenção social torna-se mais dificultosa, a burguesia recorre à ditadura militar, que, apesar de ser um regime distinto da democracia, tem o mesmo conteúdo de classe, de um Estado palco dos negócios da burguesia, que se utiliza da justiça a seu bel prazer, dos impostos para salvar suas indústrias, da polícia e do exército para conter as contradições do seu sistema. Não à toa, esse regime aparece em nossa história justamente nos períodos de crise econômica somada à crise política, ou seja, quando, ao mesmo tempo em que é atacada, a classe trabalhadora passa a questionar o regime e o sistema capitalista.
     Em todos os momentos de acirramento de crise econômica no Brasil é possível ver como o povo negro, o mais próximo das contradições sociais, também se organiza e se rebela, e, como parte da classe trabalhadora, tem sido também historicamente reprimido pela burguesia nacional a serviço dos monopólios estrangeiros e nacionais. Mesmo antes da existência do capitalismo no Brasil via-se o exército nacional reprimindo os quilombos de Palmares, de Minas Gerais, do Mato Grosso, do Jabaquara e assassinando os Malês que se revoltavam. São também os responsáveis pela morte de milhares na investida contra a população de Canudos. São os mesmos que expulsam da corporação João Cândido e outros que participaram da Revolta da Chibata, alegando que sua reivindicação pelo fim dos castigos físicos aos negros caracterizava desobediência à hierarquia.
     Em sua fase capitalista, as cidades brasileiras se industrializam, aumentando a concentração populacional nos grandes centros urbanos. Surge assim a necessidade de um destacamento militar ara controlar as novas tensões sociais das cidades. A Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, se origina da milícia Bandeirante, fundada em1831, quando São Paulo já se consolidava como uma das mais importantes cidades do Brasil, tendo seu próprio porto, faculdade e biblioteca. Os bandeirantes já tinham em sua memória mais recente a exploração e a demarcação de terras a serviço dos latifundiários, bem como a captura de índios para escravização, o castigo e a perseguição a escravos fugidos, a destruição dos quilombos e o assassinato de seus moradores.
     Durante a ditadura militar, o capitalismo se desenvolveu no Brasil aumentando as contradições internas às grandes cidades. Propagandeado como um período de progresso econômico no Brasil, o milagre brasileiro”, nomeado dessa maneira devido ao aumento recorde do Produto Interno Bruto, nada mais foi do que uma maior abertura econômica para a entrada de capital estrangeiro em território brasileiro, deixando o Brasil ainda maissubserviente. Diferente do propagandeado, esse capital em expansão crescente advinha de um endividamento internacional em larga escala e em nada favorecia a população, pois para se reproduzir se apoiou na superexploração do trabalho, com um arrocho salarial que acompanhou o desenvolvimento técnico das fábricas. O empobrecimento crescente das massas operárias, a repressão pelo AI-5 e o desaparecimento de dirigentes sindicais
gerava uma profunda indignação contra o regime.
      O regime militar também se apoiou no investimento em obras públicas, eixo essencial para o desenvolvimento industrial, automatizando o transporte de mercadorias e estabelecendo alianças com a burguesia nacional que financiava o regime, como os capitalistas das grandes empreiteiras (por exemplo: Camargo Correa, Odebrecht etc). Para obter uma alta taxa de lucro, a burguesia se debruça sobre a classe trabalhadora mais pauperizada, em sua maioria negra, impondo-lhe salários de fome.
     A ditadura se especializa então não só em reprimir exemplarmente a classe trabalhadora, como também em lançar balas contra a população negra que historicamente demonstrou ser o setor da classe trabalhadora que, no Brasil, sente mais profundamente os ataques da burguesia.
O decreto de 29 de setembro de 1969, que de acordo com o texto “Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social (...)”, determina como crimes políticos incitar:

a guerra ou a subversão da ordem político-social; a desobediência coletiva às leis; a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; a luta pela violência entre as classes sociais; a paralisação de serviços públicos, ou atividades essenciais; o ódio ou a discriminação racial.


     Estabelecendo como pena a prisão de 10 a 20 anos, alerta: “Ressalvados os crimes de que tratam os itens V e VI [justamente os que tratam de discriminação racial], se, do incitamento, decorrer morte: Pena: morte.”3
     De acordo com os preceitos estabelecidos acima, logo após a promulgação do AI-5, em 1968, é conformado o “Esquadrão da Morte”, uma agrupação de policiais civis e militares que tinham como tarefa executar em massa os ditos subversivos e criminosos. Diferentemente do que se alegou por muitos anos durante a ditadura, o Esquadrão tinha uma relação íntima com o Estado, tendo como chefe do grupo Sergio ParanhosFleury, delegado do Departamento de Organização Política e Social (DEOPS)4.
     Os policiais acusados de liderar e participar do Esquadrão da Morte jamais foram punidos e, aproveitando-se dos rumos “pacíficos” de transição à democracia, mantiveram-se delegados, comandantes e oficiais da polÍcia civil e militar.

Em 1981, o militante Marcos Antônio Pereira Cardoso, em uma Manifestação do Dia da Consciência Negra, em Minas Gerais, destacava que a abordagem policial em relação aos negros era diferenciada: “[...] quer onde estejam, eles são procurados para provarem sua ocupação, e caso não o consigam, são logo presos e espancados, sofrendo toda sorte de humilhações, [...]”5

     Durante todo o decorrer das décadas seguintes, a polícia continuou executando as mesmas ações: batidas, seguidas de prisões e torturas; onde o critério de cor permaneceu determinante. Tal fator dá ao Brasil um patamar especial quando se trata da repressão. De todas as mortes de jovens por causas externas, desde 1980 até 2010, a causa líder é o homicídio, colocando o Brasil como o sexto colocado no ranking de violência em todo o mundo.
     O BOPE do Rio de Janeiro e a ROTA de São Paulo, hoje especialistas em matar jovens negros e pobres nas favelas e periferias, são os herdeiros dos grupos de extermínio do “Estado de exceção”, educados durante a ditadura a conter as revoltas negras que emergiam nas favelas, fruto do agravamento da precarização da vida advinda do “milagre brasileiro”.
     Em 2010, aproximadamente 79% dos entrevistados pelo “Mapa da Violência”6
alegaram ter medo de serem assassinados, sentimento justificado pelo alto número de homicídios no país: são mais de um milhão de mortos por homicídio em 30 anos, número que se torna mais alarmante quando comparado aos números das guerras civis. A guerra civil angolana, que perdurou de 1975 ate 2002, teve 500 mil mortos, enquanto a guerra do Iraque e Afeganistão juntos somaram 89 mil mortos até 2007. De 203 a 2010, a guerra no Iraque matou 86,5 mil pessoas8, enquanto, no mesmo período, o Brasil teve perto de 350 mil mortos por homicídios9.
     Um dos fatores marcantes que dá ao Brasil dados superiores aos de uma guerra civil é a violência policial. De 2000 a 2010 em São Paulo, dos mais de 66 mil mortos, mais de 6 mil foram vítimas da ação policial, proporção bastante superior à média mundial. Dados de 2010 mostram que a cada policial morto em uma ação, morrem 15,5 civis10, revelando que, ao contrário do que se alega nas grandes mídias, não há uma real situação de confronto, e sim de homicídios deliberados, verdadeiros genocídios. O Grupo Tortura Nunca Mais, que há pouco sofreu um atentado, tendo sua sede carioca invadida, denunciou durante a ocupação dos morros do Rio pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) as centenas de execuções sumárias escondidas sob o termo judicial de “autos de resistência”.
     Essa justificativa é dada pelo próprio policial em ação, que, ao preencher a ficha de ocorrência, já alega que a vitima é “delinquente” ou “meliante”, ignorando as possibilidades de que o caso seja investigado como execução sumária. Os policiais sempre alegam morte em trânsito ao hospital, visando eliminar dois obstáculos: o primeiro, de uma acusação de omissão de socorro; o segundo, da possibilidade de uma análise de cena crime, já que a alegação é de que a vítima não morreu no local. Curiosamente, de acordo com estudos de Sergio Verani, em:

Assassinatos em nome da lei - uma prática ideológica do direito penal (1996), o termo “autos de resistência” foi criado no ano de 1969, em meio ao que comumente chamamos ditadura escancarada, após a aplicação do Ato Institucional número 5 (AI-5) no ano de 196811.Documento da Human Rights Watch alega que, de acordo com ouvidor-adjunto da polícia de São Paulo, possivelmente cerca de 80% dos autos de resistência levantam suspeitas de abuso policial. “Um promotor com jurisdição nos bairros onde ocorrem os maiores índices de assassinatos por policiais na cidade do Rio contou à Human Rights Watch que ele acredita que “quase todos” os “autos de resistência” que ele acompanha anualmente são ‘farsas’.”12

USP, racismo e ditadura militar

     Em maio de 2011, a Reitoria da Universidade de São Paulo, através de Rodas, assinou um convênio que legaliza a entrada da polícia na universidade e, desde então, essa realiza rondas ostensivas dentro do campus. Como desculpa, a Reitoria se utiliza dolamentável assassinato do estudante Felipe Ramos Paiva. O que essa Reitoria policialesca esconde é que, longe de evitar novas mortes, essa é a polícia que em 2006 assassinou a trabalhadora terceirizada Cícera,  moradora da São Remo, e que o verdadeiro projeto é garantir a ordem, a moral e a lisura pregadas na ditadura militar, em oposição aos que lutam em defesa da universidade pública contra as tentativas de avanço em sua privatização e sua subordinação aos interesses dos grandes  monopólios.
     Em 2009 o Brasil viu a polícia reprimir brutalmente na USP. O motivo? Perseguir e prender os trabalhadores e estudantes que se manifestavam contra a demissão do dirigente sindical Claudionor Brandão e em apoio à greve de trabalhadores.
     O apreço de Rodas pela ditadura militar não é datado desse convênio. Rodas foi membro da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, encarregado de votar se o Estado havia sido responsável pela morte de desaparecidos e mortos da ditadura. Em todos os casos em que esteve envolvido, votou pela absolvição do Estado ou pela não abertura de casos públicos, como o de Zuzu Angel. Assim como o projeto da ditadura, o papel que Rodas e seus apoiadores veem para o povo negro na universidade é o mesmo que se via no projeto de país da ditadura militar.
     Negando a existência do racismo e da segregação, a Reitoria não admite que se questione a composição da universidade, se emparelhando ao AI-5.
     Na USP há, de fato, uma quantidade massiva de negros. Eles e elas limpam as salas de aula, as escadas, os banheiros. Estão ali como terceirizados, recolhendo nosso lixo, proibidos de usufruir de todo o patrimônio que produzem e mantém: não podem utilizaras creches para deixar seus filhos, tampouco a Escola de Aplicação; os restaurantes universitários não são para eles, pois, se quiserem almoçar no mesmo, são considerados “visitantes” e devem pagar R$12,00. Como alternativa, decidem levar marmitas e comernas suas salas minúsculas, o único lugar que lhes é permitido, tendo ocorrido casos de terceirizados que comiam nos banheiros e que são constantemente proibidos de se juntar aos efetivos nas copas. As bibliotecas que vigiam e limpam não podem ter livros retirados por eles. Estes trabalhadores moram na São Remo, favela vizinha à USP, ou nos bairros pobres da região. A Reitoria tenta, mesmo sabendo que muitos vêm ao trabalho a pé – fruto da escassez de direitos trabalhistas constitutiva da terceirização – fechar os portões que dão acesso à São Remo, alegando que a livre entrada desses trabalhadores é perigosa para a Universidade de São Paulo.
     Não é possível negar que também haja estudantes negros. Um deles, Samuel de Souza, de 42 anos, estudante de filosofia, passou mal por volta das 9h30 do dia 3 dezembro de 2010. Apesar de chamadas à Guarda Universitária e ao Hospital Universitário, Samuel não recebeu socorro, e às 10h já estava morto, a pouco mais de 200 metros da Reitoria. Seu corpo permaneceu estirado no mesmo local até às 16h do mesmo dia13. Nicolas, estudante negro da unidade Leste da USP, em meio a uma ação policial na Universidade, foi provocado por um PM que o questionava sobre sua carteirinha da USP. A suspeita da cor legitimou o policial a apontar sua arma contra Nicolas14, como estão acostumados a fazer com a juventude negra fora da Universidade.
     O Núcleo de Consciência Negra, que funciona na USP há mais de 25 anos e jamais teve direito concedido pela Reitoria de legalização de suas atividades, veio sendo ameaçado de expulsão, para a construção de um projeto arquitetônico megalomaníaco daReitoria. Não há nenhum indicativo de qual espaço pode ocupar, nem mesmo de quando sua legalização ocorrerá. Em fins do mês de julho, mais uma surpresa: o barracão, onde o Núcleo conduz suas atividades, sofreu um novo ataque e foi parcialmente demolido, tendo o NCN perdido seu espaço de atuação.
     Por todos esses elementos, é preciso que se encare a entrada da polícia na USP - através de um convênio que torna tal situação permanente -, o processo repressivo a mais de 70 estudantes e trabalhadores com base a esse regimento disciplinar instituído durante a Ditadura Militar, o reacionarismo anticotas e a crescente terceirização dos postos de trabalho, como parte de uma mesma política da Reitoria, constituindo um projeto de universidade ao mesmo tempo burguês e racista.
Questionar o racismo na USP é, portanto, lutar pela incorporação dos terceirizados como funcionários diretos da universidade com salários e direitos iguais aos efetivos; lutar pela radical democratização do acesso, acabando com o vestibular, estatizando as universidades privadas, garantindo mais verbas para a educação para que todos tenham acesso ao ensino superior de qualidade; lutar pela expulsão da PM de dentro da universidade ligando ao questionamento do papel que essa instituição cumpre na repressão aos pobres e aos negros nas favelas; lutar pela apuração do envolvimento dasinstituições da universidade e seus respectivos representantes nos crimes da ditadura militar, ligando essa batalha à luta contra a repressão e a perseguição – baseadas em um estatuto criado em 1972 - que hoje são deflagradas sobre estudantes e funcionários que lutam em defesa da universidade pública. É preciso exigir a retirada imediata da PoliciaMilitar de dentro da USP para conformar um espaço de liberdade de pensamento e organização, ao mesmo tempo em que nos colocamos como tribuna dos trabalhadores e do povo pobre, que seguem calados e reprimidos à morte, pois cada momento nosso de silêncio é um momento de complacência a cada uma dessas mortes.
   Questionar o racismo na USP é também lutar pela construção de um novo estatuto universitário através de uma Estatuinte livre e soberana conformada pelos três setores da universidade, colocando abaixo a aristocracia do reitorado e dos Conselhos Universitários, que seguem legitimando que os rumos da universidade se deem através dos interesses de uma minoria vendida e parasita que implementa “por dentro” o projeto privatizante e
monopolista de universidade. Uma Estatuinte que enterre os resquícios da ditadura ainda existentes e questione o caráter elitista e racista da USP.






Referências
HUMAN RIGHTS WATCH. Violência policial e segurança pública no Rio de Janeiro. Dezembro de 2009.
IANNI, O. Escravidão e racismo. Sao Paulo: Editora HUCITEC, 1978.
KROSSLING, K. S., As lutas anti-racistas dos afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP. Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.
LENIN, V. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: editora Global, 1982.
MATTOS, Vanessa. Esquadrões da morte: a maquiagem vermelha. Revista das Américas, n. 9., 2011. Nucleo de estudo das Américas. Universidade do estado do Rio de Janeiro. Disponivel no endereço: http://www.nucleasuerj.com.br/home/phocadownloadpap/9d.pdf
MARX, K.: ENGELS, F. A ideologia alemã. Boitempo. 2007.
MISSE, M. Autos de resistência: uma análise dos homicídios cometidos por policiais na cidade do Rio de Janeiro- 2001-2011.
TROTSKY, L. La teoria de la revolucion permanente: compilacion. Buenos Aires: CEIP “Leon Trotsky”, 2000


1. Estudante de Letras da USP.
2. l afirmação se refere à compreensão marxista de organização econômica como infraestrutura de uma sociedade, que determina diretamente os que serão capazes de produzir ideias em maior escala e, assim, dominar as ideias daquela sociedade, fazendo dela sua imagem e semelhança, através de profundas distorções, visto que a maneira como uma classe dominante enxerga a sociedade só faz sentido para os que compartilham da mesma base material. Aos outros, para aplicá-la, é preciso distorcer sua própria
realidade. “As ideias dominantes não são outra coisa que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as próprias relações materiais dominante são concebidas como ideias; portanto, as relações que fazem de uma determinada classe a classe dominante são também as que conferem o papel dominante às suas ideias. Os indivíduos que formam a classe dominante também têm, entre outras coisas, consciência e pensam; logo, enquanto dominam como classe e enquanto determinam todo o âmbito de uma época histórica, compreende-se que o façam em toda a sua extensão e, consequentemente, entre outras coisas, que também dominem como pensadores, como produtores de ideias,
que regulem a produção e a distribuição das ideias do seu tempo; e que as ideias sejam, por isso mesmo, as ideias dominantes da época”. (Marx, K.: Engles, F. A ideologia alemã. Boitempo, 2007)
3. O decreto foi publicado como anexo ao AI-5, e pode ser lido integralmente no link do Senado: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=179024.
4.MATTOS, Vanessa. Esquadrões da morte: a maquiagem vermelha. Revista das Américas, n. 9., 2011. Nucleo de estudo das Américas. Universidade do estado do Rio de Janeiro. Disponivel no endereço: http://www.nucleasuerj.com.br/home/phocadownloadpap/9d.pdf
5. KROSSLING, K. S., As lutas anti-racistas dos afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP. Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. p. 187.
6. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/
7. Dados e informações da guerra civil angolana: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_Angolana
8. Dados retirados da ONG Iraq Body Count: www.iraqbodycount.org
9. Idem nota 6.
10. Dados retirados do Instituto Avante Brasil, advindos de pesquisas da Secretaria de Segurança Pública. É possível ainda acompanhar a relação entre homicíos culposos (sem intenção de matar) e os homicídios dolosos (com intenção de matar), onde dos 15,5 civis mortos, a proporção favorece o intencioal numa razão de 11,48. http://www.institutoavantebrasil.com.br/brasil-discriminacao-etnica-e-guerra-civil/letalidade-da-acao-policial-notas-para-reflexao/
11. O artigo coordenado pelo Prof. Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (“Autos de resistência: uma análise dos homicídios cometidos por policiais na cidade do Rio de Janeiro”, 2001-2011) faz uma exposição do termo, analisando centralmente a sua prática ideologizada para maquiar execuções sumárias.
12. “Forca Letal: Violência policial e segurança publica no Rio de Janeiro e em São Paulo”, Human Rights Watch, Dezembro de 2009.
13. Noticia publicada em 3 de dezembro de 2010 no site da Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0312201017.htm
14. Neste vídeo é possível ver a ação do policial dentro da Universidade: http://www.youtube.com/watch?v=xbobyDHtImE

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