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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A cerca dos proletários das raças de “cor”![1]





Ao Secretariado Internacional

(cópia ao Comitê Nacional da Liga Norteamericana)

 

                Recebi uma copia da cata fechada em 26 de abril de 1932, enviada por uma organização de camaradas negros de Johanesburgo. Me parece que essa carta é muito importante e sintomática. A oposição de Esquerda (bolcheviques-leninistas) pode e deve converte-se na bandeira dos setores mais oprimidos do proletariado mundo, e para tanto, em primeiro lugar, dos trabalhadores negros. Como fundamento essa proposta?

                A Oposição de Esquerda é na atualidade a tendência mais coerentes e revolucionária do mundo. Sua atitude severamente crítica por todas as variantes da arrogância burocrática dentro do movimento operário lhe permite escutar com atenção especial a voz dos setores mais oprimidos do movimento operário e do conjunto dos trabalhadores.

                A Oposição de Esquerda recebe os golpes do aparato stalinista e de todos os governos burgueses do mundo. Esse feito desperta, cada vez em maior medida, as cálidas simpatias dos setores mais oprimidos da classe operária internacional pela Oposição de Esquerda. A partir dessa perspectiva, a carta que os camaradas sul-africanos nos enviaram não me parece acidental, senão profundamente sintomática.

                Em sua carta, que seguem 24 assinaturas (com a anotação de rodapé “e outros”) os camaradas sul-africanos expressam um particular interesse nos problemas da revolução da China. É preciso reconhecer que esse interesse está plenamente justificado. As massas trabalhadoras dos povos oprimidos, que tem que lutar por direitos nacionais elementares e por sua dignidade humana, são precisamente as que correm maior risco de sofrer as consequências das confusas posições da burocracia estalinista sobre o tema da “ditadura deocrática”.[2] Abaixo dessa falsa bandeira, a política do Koumintang, quer dizer, o vil engano e o afastamento impune das massas trabalhadoras por sua própria burguesia “nacional”, todavia podem causar um enorme dano a causa da libertação dos trabalhadores. O programa da revolução permanente, baseado a irrefutável experiência histórica de uma quantidade de países, pode e deve assumir uma importância fundamental para o movimento de libertação do proletariado negro.

                Os camaradas de Johanesburgo podem não terem tido, todavia a oportunidade de se inteirar mais a fundo das posições da Oposição de Esquerda sobre os problemas mais importantes.  Mas esse não pode ser um obstáculo para que nos aproximemos deles o máximo possível, agora mesmo, e os ajudemos, fraternalmente a ir adotando nosso programa e nossas táticas.

                Se dez intelectuais de Paris, Berlin ou nova York, que já passaram por várias organizações, nos expuserem que querem ligar-se a nós, eu daria o seguinte conselho: submetemo-los a uma série de exames sobre todas as questões programáticas, submetamo-los a chuva i a sol e logo, depois de um cuidadoso controle, aceitamos incorporar um ou dois.

                O Assunto mudará radicalmente se se trata de dez operários ligados às massas. Não faz falta explicar nossa atitude diferente para um grupo pequeno burguês e para um grupo proletário. Mas se o grupo proletário atuará em uma zona onde há trabalhadores de distintas raças e, apesar dele, estivesse formado somente por operários da nacionalidade privilegiada, teria minhas suspeitas. Não serão talvez da aristocracia operária? Não estará infectado o grupo de prejuízos escravistas, ativos ou passivos?

                Mas a situação é totalmente distinta quando se aproxima de nos um grupo de trabalhadores negros. Nesse caso estou disposto de antemão a dar por seguro que chegamos a um acordo com eles, embora, todavia não seja evidente  porque os trabalhadores negros, em virtude de toda a sua situação, não podem degradar, oprimir nem privar a nenhum de seus direitos. Não buscam privilégios e não podem chegar à cúpula se não pela via da revolução internacional.

                Podemos e devemos encontrar o caminho para a consciência dos trabalhadores negros, chineses, hindus, a todos os oprimidos desse oceano humano que constituem as raças de cor, que são as que tem a ultima palavra no desenvolvimento da humanidade.

L. Trotsky

 

[1] Acerca dos proletários das raças “de cor”! The Militant, 2 de julho de 1932. A carta de Johanesburgo a que se refere Trotsky apareceu n numero de 4 de junho desse periódico. Estava dirigida à Liga Comunista da América do Norte e expressava a decisão dos assinantes de pedir a filiação a Oposição de Esquerda, fazer circular sua literatura, etc. No paragrafo seguinte explicativo de sua carta é especialmente interessante: “Camaradas! Não se preocupem porque todos nós somos negros nem pensem que intencionalmente nos recusamos a nos unir com os camaradas europeus. Não, não é assim. Fazem dois meses que começamos a considerar a unificação com vocês. Embora seja difícil para um camarada negro organizar um operário europeu, esperamos que mais adiante os militantes brancos sigam nossa direção. O problema racial dificulta a organização. Geralmente, até em problemas como a organização revolucionária, se considera inferiores os trabalhadores negros e superiores os europeus. Até agora temos funcionado com o nome de Partido Comunista da África.”

[2] Ditadura democrática do proletariado e do campesinato: formula utilizada por Lenin antes de 1917 para explicar os objetivos dos bolcheviques, depois da Revolução de fevereiro descartou essa perspectiva e reorientou aos bolcheviques até a tomada do poder e a instauração de um estado operário, a “ditadura do proletariado”. Depois da morte de Lenin, os estalinistas  ressuscitaram essa consigna e a utilizaram  para justificas a colaboração e classe entre os trabalhadores e os capitalistas na China, o que levou a esmagadora derrota da revolução nesse país de 1925-1927.

A Revolução Russa e o Movimento Negro Norte-Americano - James P. Cannon

8 de Maio de 1959 -

de liga quarta-internacionalista do Brasil http://www.internationalist.org/negro.html

Durante seus dez primeiros anos, o Partido Comunista dos EUA estava preocupado com a questão do negro, e gradualmente chegou a uma política que era diferente e superior à do radicalismo norte-americano tradicional. Não obstante, nas minhas memórias publicadas relacionadas a este período, a questão do negro não aparece em nenhuma parte como tema de controvérsia interna entre as frações principais. A explicação era que nenhum dos dirigentes norte-americanos colocou nenhuma nova idéia sobre esta questão explosiva por conta própria; e nenhuma das frações propôs nenhuma das mudanças de política, atitude e forma de abordar a questão que se haviam realizado gradualmente quando o partido chegou ao fim de sua primeira década.
As principais discussões sobre a questão do negro ocorreram em Moscou, e a nova forma de ver a questão foi elaborada lá. Já no Segundo Congresso da Comintern (Internacional Comunista), em 1920, "Os Negros na América" foi um ponto na ordem do dia e uma discussão preliminar sobre esta questão foi levada a cabo. As investigações históricas comprovarão decisivamente que a política do PC sobre a questão do negro recebeu seu primeiro impulso de Moscou, e também que todas as seguintes elaborações desta política, incluindo a adoção da palavra-de-ordem de "autodeterminação" em 1928, vieram de Moscou.
Sob a constante pressão e estímulo dos russos na Comintern, o partido começou com o trabalho entre os negros durante seus primeiros dez anos; mas não conseguiu incorporar muitos e sua influência dentro da comunidade negra não chegou a muito. Disto seria fácil tirar a conclusão pragmática de que toda a discussão e preocupação sobre a política com respeito à questão nessa década, desde Nova Iorque até Moscou, era muito barulho sobre nada, e que os resultados da intervenção russa foram completamente negativos.
Esta pode ser a avaliação convencional nestes dias da Guerra Fria, quando a animosidade contra todas as coisas russas é o substituto convencional pela opinião considerada. Porém, está longe de ser a verdade histórica. Os primeiros dez anos do comunismo norte-americano são um período curto demais para permitir uma avaliação definitiva da nova forma de abordar a questão do negro que foi imposta ao partido norte-americano pela Comintern.
A discussão histórica sobre a política e ação do Partido Comunista sobre a questão do negro, e sobre a influência russa na formação das mesmas, durante os primeiros dez anos da existência do partido, por exaustiva que seja, não pode ser suficiente se a investigação não projeta-se até a seguinte década. O jovem partido tomou os primeiros dez anos para fazer um começo neste terreno até então não explorado. As façanhas espetaculares dos anos 30 não podem ser entendidas sem referência a esta década anterior de mudanças e reorientações. As posteriores ações e resultados vieram disto.
Uma análise séria de todo o processo complexo tem que começar com o reconhecimento de que os comunistas norte-americanos na primeira parte dos anos 20, tal como todas as outras organizações radicais deste período e períodos anteriores, não tinham nada com que podiam começar sobre a questão do negro senão uma teoria inadequada, uma atitude falsa ou indiferente e a aderência de alguns indivíduos com tendências radicais ou revolucionárias.
O movimento socialista anterior, do qual o Partido Comunista surgiu, jamais reconheceu a necessidade de um programa especial sobre a questão do negro. Esta era considerada pura e simplesmente um problema econômico, uma parte da luta entre os operários e os capitalistas; a idéia era que não se podia fazer nada sobre os problemas especiais da discriminação e a desigualdade antes da chegada ao socialismo.
Os melhores dos socialistas do período anterior foram representados por Debs,(1) que se mostrava simpático a todas as raças e completamente livre de preconceitos. Porém, a limitação do ponto de vista deste grande agitador, sobre esta questão complexa, foi expressada na sua declaração:
"Nós não temos nada especial para oferecer ao negro, e não podemos fazer chamamentos separados a todas as raças. O Partido Socialista é o partido de toda a classe operária, seja qual for a cor – de toda a classe operária de todo o mundo" (Ray Ginger, The Bending Cross).
Esta foi considerada uma colocação muito avançada nesse período, mas não colocou o apoio ativo à exigência especial do negro por um pouco de igualdade aqui e agora, ou no futuro previsível, no caminho rumo ao socialismo.
Inclusive Debs, com a sua fórmula geral que ignorou o ponto principal – a questão ardente da constante discriminação contra os negros em todos os aspectos – era muito superior nesta questão, tal como em todas as outras, a Victor Berger, que era um racista declarado.(2) O seguinte é um pronunciamento de um editorial de Berger no seu jornal na cidade de Milwaukee, o Social Democratic Herald:
"Não há dúvida de que os negros e mulatos constituem uma raça inferior".
Esta foi a colocação do "socialismo de Milwaukee" sobre a questão negra, como foi expressada por seu ignorante e insolente líder e chefe. Um negro perseguido e atacado jamais conseguiria digerir tal posição com uma simples cerveja de Milwaukee, inclusive se tivesse cinco centavos e pudesse encontrar uma cantina dos brancos onde pudesse beber um copo de cerveja, na parte dos fundos do bar.
O chauvinismo declarado de Berger nunca foi a posição oficial do Partido Socialista. Havia outros socialistas, tais como William English Walling, que foi partidário da igualdade de direitos para os negros e um dos fundadores da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP – Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor) em 1909. Mas tais indivíduos foram uma pequena minoria entre os socialistas e radicais antes da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa.
A insuficiência da política socialista tradicional sobre a questão do negro tem sido amplamente documentada pelos historiadores do movimento, Ira Kipnis e David Shannon. Shannon resume a atitude geral que prevalecia no Partido Socialista sobre os negros da seguinte forma:
"Não eram importantes no partido, o partido não fazia nenhum esforço especial para atrair militantes negros, e se o partido não era realmente hostil ao esforço dos negros para melhorar sua posição dentro da sociedade capitalista norte-americana, este esforço geralmente não lhe interessava."
E mais adiante:
"O partido mantinha que a única salvação do negro era a mesma que a única salvação do branco: 'o socialismo'."
Esta foi a posição tradicional que o Partido Comunista dos primeiros anos herdou do movimento socialista anterior, do qual havia surgido. A política e a prática do movimento sindical era ainda pior. A organização IWW (Industrial Workers of the World – Trabalhadores Industriais do Mundo) não excluia ninguém da militância pela sua "raça, cor nem credo". Mas os sindicatos predominantes da AFL (American Federation of Labor – Federação Norte-Americana do Trabalho), com só umas poucas exceções, eram compostos exclusivamente pelos brancos da aristocracia operária. Estes também não tinham nada especial que oferecer aos negros; na realidade, não tinham absolutamente nada que oferecer-lhes.
A diferença – e foi uma diferença profunda – entre o Partido Comunista dos anos 20 e os seus antecessores socialistas e radicais, foi mostrada pela sua ruptura com esta tradição. Os comunistas norte-americanos dos primeiros anos, sob a influência e pressão dos russos na Comintern, estavam aprendendo lenta e dolorosamente a mudar sua atitude; a assimilar a nova teoria da questão negra como uma questão especial de gente duplamente explorada e posta na situação de cidadãos de segunda classe, o que requeria um programa de reivindicações especiais como parte do programa geral – e a começar a fazer algo sobre esta questão.
A verdadeira importância desta mudança profunda, em todas suas dimensões, não pode ser medida adequadamente pelos resultados que ocorreram nos anos 20. É necessário considerar os primeiros dez anos principalmente como o período preliminar de reconsideração e discussão, e de mudança na atitude e política sobre a questão dos negros – como preparação para a atividade futura neste terreno.
Os efeitos desta mudança e esta preparação nos anos 20, produzidos pela intervenção russa, manifestaram-se explosivamente na década posterior. As condições muito favoráveis para a agitação e organização entre os negros, produzidas pela Grande Depressão, encontraram o Partido Comunista preparado para atuar neste terreno como nenhuma outra organização radical havia feito neste país.
Tudo de novo e progressista sobre a questão do negro veio de Moscou depois da revolução de 1917, e como resultado da revolução – não só para os comunistas norte-americanos, que responderam diretamente, mas também para todos os que se interessavam na questão.
Sozinhos, os comunistas norte-americanos nunca inventaram nada novo ou diferente da posição tradicional do radicalismo norte-americano sobre a questão negra. Essa posição, como mostram as citações anteriores das histórias de Kipnis e Shannon, foi bastante fraca na teoria e ainda mais fraca na prática. A fórmula simplista de que a questão dos negros era meramente econômica, uma parte da questão do capital contra o trabalho, jamais inspirou os negros, que sabiam que não era assim, mesmo se não o dissessem abertamente; eles tinham que viver com a discriminação brutal, cada hora de cada dia.
Esta discriminação não era sutil nem dissimulada. Todo mundo sabia que ao negro se dava o pior em todo momento, mas quase ninguém estava interessado ou queria fazer algo para procurar moderar ou mudar esta situação. A maioria branca da sociedade norte-americana, que constituia [nesse período] 90% da população, incluindo seu setor operário, no Norte como no Sul, estava saturada com preconceitos contra o negro; e o movimento socialista refletia bastante este preconceito – embora, para não contradizer o ideal da irmandade humana, esta atitude dos socialistas era oculta e tomava a forma de evasiva. A velha teoria do radicalismo norte-americano mostrou na prática ser uma fórmula para a falta de ação sobre a questão dos negros e, incidentalmente, uma cobertura conveniente para os latentes preconceitos raciais dos radicais brancos.
A intervenção russa transformou tudo isto, drasticamente e num sentido benéfico. Ainda antes da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa,Lenin e os bolcheviques se distinguiam de todas as outras tendências no movimento socialista e operário internacional por sua preocupação com os problemas das nações e minorias nacionais oprimidas, e seu apoio positivo às lutas destas pela liberdade, a independência e o direito da autodeterminação. Os bolcheviques davam este apoio a toda a "gente sem igualdade de direitos", de uma forma sincera e honesta, mas não havia nada "filantrópico" nesta posição. Reconheciam também o grande potencial revolucionário na situação dos povos e nações oprimidos, e os viam como aliados importantes da classe operária internacional na luta revolucionária contra o capitalismo.
Depois de novembro de 1917, esta nova doutrina, com ênfase especial nos negros, começou a ser transmitida ao movimento comunista norte-americano com a autoridade da Revolução Russa. Os russos na Comintern começaram a enfrentar os comunistas norte-americanos com a exigência brusca e insistente de que abandonassem seus próprios preconceitos não declarados, que dessem atenção aos problemas e queixas especiais dos negros norte-americanos, que trabalhassem entre eles e que se convertessem em campeões de sua causa dentro da população branca.
Para os norte-americanos, que tinham sido educados numa tradição diferente, levou tempo para assimilar a nova doutrina leninista. Mas os russos seguiam, ano após ano, montando os argumentos e aumentando a pressão sobre os comunistas norte-americanos até que estes finalmente aprenderam, mudaram e começaram a trabalhar a sério. E a mudança na atitude dos comunistas norte-americanos, que se efetuou gradualmente nos anos 20, exerceria uma influência profunda em círculos muito mais amplos durante os anos posteriores.
A ruptura do Partido Comunista com a posição tradicional do radicalismo norte-americano sobre a questão negra coincidiu com mudanças profundas que estavam ocorrendo entre a população negra. A migração em grande escala das regiões agrícolas do Sul dos Estados Unidos para os centros industriais do Norte se acelerou muito durante a Primeira Guerra Mundial, e continuou nos anos posteriores. Isto produziu algumas melhorias em suas condições de vida em comparação com o que haviam conhecido no Sul ("Deep South"),(3) mas não foram suficientes para compensar o desencanto de encontrar-se relegados aos guetos e submetidos ainda à discriminação por todos os lados.
O movimento negro, tal como era então, apoiou patrioticamente a Primeira Guerra Mundial "para tornar o mundo seguro para a democracia"; e 400.000 negros serviram nas forças armadas. Quando regressaram aos Estados Unidos, buscaram um pouquinho de democracia para eles mesmos, mas não puderam encontrar muito em nenhum lado. O seu novo espírito de reclamar algo para si mesmos foi contestado com cada vez mais linchamentos e uma série de distúrbios raciais em todo o país, tanto no Norte como no Sul.
Tudo isto – as esperanças e as decepções, o novo espírito de decisão e as represálias bestiais – contribuiu para o surgimento de um novo movimento negro. Rompendo decididamente com a tradição de Booker T. Washington(4) de acomodação a uma posição de inferioridade no mundo do homem branco, uma nova geração de negros começou a impulsar suas exigências de igualdade.
O que o novo movimento emergente dos negros norte-americanos – uma minoria de 10% da população dos Estados Unidos – mais necessitava, e que carecia quase por completo, era de apoio efetivo dentro da comunidade branca em geral e, em particular, dentro do movimento operário, seu aliado necessário. O Partido Comunista, defendendo vigorosamente a causa dos negros e propondo uma aliança do povo negro e o movimento operário combativo, entrou na nova situação como um agente catalizador no momento preciso.
Foi o Partido Comunista, e nenhum outro, que converteu os casos de Herndon e Scottsboro(5) em questões conhecidas nacional e internacionalmente, e que pôs os grupos de linchamento legal dos "Dixiecratas" (políticos racistas sulistas do Partido Democrata) na defensiva pela primeira vez desde a derrubada da Reconstrução.(6) Os militantes do partido dirigiram as lutas e as manifestações para conseguir consideração justa para os negros desempregados nos postos de ajuda, e para colocar novamente nos seus apartamentos os móveis dos negros jogados na rua pelos donos das casas. Foi o Partido Comunista que de forma demonstrativa apresentou um negro como candidato a vice-presidente em 1932 – algo que nenhum outro partido radical ou socialista jamais havia contemplado.
Por meio deste tipo de ação e agitação nos anos 30, o partido sacudiu todos os círculos mais ou menos liberais e progressistas da maioria branca, e começou a produzir uma mudança radical na atitude sobre a questão negra. Ao mesmo tempo, o partido se coverteu num verdadeiro fator entre os negros, que avançaram em seu status e sua confiança em si mesmos – em parte como resultado da vigorosa agitação do Partido Comunista sobre a questão.
Não se pode descartar esta realidade dizendo que "os comunistas atuaram assim porque tinham um interesse por trás disto". Toda agitação a favor dos direitos dos negros favorece o movimento negro; e a agitação dos comunistas foi muito mais enérgica e eficaz que qualquer outra naquele período.
Estes novos acontecimentos parecem conter um aspecto contraditório, e este, que conheço, jamais tem sido confrontado ou explicado. A expansão da influência comunista dentro do movimento negro durante os anos 30 ocorreu apesar do fato de que uma das novas palavras-de-ordem impostas ao partido pela Comintern nunca pareceu adequar-se à situação real. Esta foi a palavra-de-ordem da "autodeterminação", sobre a qual se fez o maior alvoroço e se escreveu o maior número de teses e resoluções, sendo inclusive apregoada como a palavra-de-ordem principal.(7) A palavra-de-ordem da "autodeterminação" teve pouca ou nenhuma aceitação na comunidade negra. Depois do colapso do movimento separatista dirigido por Garvey,(8) a tendência dos negros foi principalmente em direção à integração racial, com igualdade de direitos.
Na prática o PC passou por cima desta contradição. Quando o partido adotou a palavra-de-ordem da "autodeterminação", não abandonou sua vigorosa agitação a favor da igualdade e os direitos dos negros em todas as frentes. Ao contrário, intensificou e estendeu esta agitação. Isto era o que os negros desejavam ouvir, e isso é o que fez a diferença. A agitação e ação do PC sobre esta última palavra-de-ordem foi o que produziu resultados, sem a ajuda e provavelmente apesar da impopular palavra-de-ordem da "autodeterminação" e todas as teses escritas para justificá-la.
Durante o "Terceiro Período" de ultra-radicalismo [da Comintern], os comunistas convertidos em stalinistas realizaram sua atividade entre os negros com toda a desonesta demagogia, os exageros e distorsões que lhes são próprias e das quais eles são inseparáveis. Apesar disto, a reivindicação principal em torno da igualdade de direitos foi ouvida e encontrou eco na comunidade negra. Pela primeira vez desde a época dos abolicionistas,(9) os negros viram um grupo enérgico, dinâmico e combativo de gente branca que defendia sua causa. Desta vez não foram uns quantos filantropos e liberais tímidos, mas sim os pertinazes stalinistas dos anos 30, que estavam à frente de um movimento radical de grande alcance que, gerado pela depressão, estava em ascensão. Havia uma energia em seus esforços naqueles anos e esta foi sentida em muitas esferas da vida norte-americana.
A resposta inicial de muitos negros foi favorável, e a reputação do partido como uma organização revolucionária identificada com a União Soviética provavelmente era mais ajuda que obstáculo. A camada superior dos negros, buscando respeitabilidade, tendia a distanciar-se de todo o radical; porém as bases, os mais pobres entre os pobres que não tinham nada que perder, não tinham medo. O partido incorporou milhares de militantes negros nos anos 30 e se converteu, por um tempo, em uma força real dentro da comunidade negra. A causa principal disto era sua política sobre a questão da igualdade de direitos, sua atitude geral – a qual havia aprendido dos russos – e sua atividade em torno da nova linha.
Nos anos 30, a influência e a ação do Partido Comunista não se restringia à questão dos "direitos civis" em geral. Também atuava poderosamente para dar nova forma ao movimento operário e auxiliar os operários negros a conseguir neste movimento o lugar que anteriormente lhes havia sido negado. Os mesmos operários negros, que haviam contribuido nas grandes lutas para criar os novos sindicatos, pressionavam a favor de suas próprias reivindicações mais vigorosamente que em nenhum período anterior.(10) Mas necessitavam de ajuda, necessitavam de aliados.
Os militantes do Partido Comunista começaram a desempenhar este papel no momento crítico dos dias formativos dos novos sindicatos. A política e a agitação do Partido Comunista neste período fizeram mais, dez vezes mais, que qualquer outra força para ajudar os operários negros a assumir um novo status de, pelo menos, semi-cidadania dentro do novo movimento sindical criado nos anos 30 sob a bandeira do CIO.
É freqüente atribuir o progresso do movimento negro, e a mudança da opinião pública a favor de suas reivindicações, às mudanças produzidas pela Primeira Guerra Mundial. Mas o resultado mais importante da Primeira Guerra Mundial, o acontecimento que mudou tudo, incluindo as perspectivas para os negros norte-americanos, foi a Revolução Russa. A influência de Lenin e da Revolução Russa – apesar de ser degradada e distorcida como foi posteriormente por Stalin, e depois filtrada através das atividades do Partido Comunista dos Estados Unidos – contribuiu, mais que qualquer outra influência, de qualquer fonte, para o reconhecimento, e a aceitação mais ou menos geral, da questão negra como um problema especial da sociedade norte-americana; um problema que não pode ser colocado simplesmente sob o cabeçalho do conflito entre capital e trabalho, como fazia o movimento radical pré-comunista.
Se acrescenta algo, mas não muito, ao dizer que o Partido Socialista, os liberais e os dirigentes sindicais mais ou menos progressistas aceitaram a nova definição e outorgaram algum apoio às reivindicações dos negros. Isso é exatamente o que fizeram: aceitaram. Não tinham nenhuma teoria nem política independente desenvolvidas por eles mesmos. De onde iam tirá-las? De suas próprias cabeças? De nenhuma maneira. Todos iam atrás o PC sobre esta questão nos anos 30.
Os trotskistas e outros grupos radicais dissidentes – que também tinham aprendido dos russos – contribuiram com o que puderam para a luta pelos direitos dos negros; mas os stalinistas, dominando o movimento radical, dominavam também os novos acontecimentos no terreno da questão negra.
Tudo o que havia de novo sobre a questão negra veio de Moscou, depois que começava a ressoar em todo o mundo a exigência da Revolução Russa pela liberdade e a igualdade para todos os povos subjugados e todas as raças, para todos os desprezados e rechaçados do mundo. O estrondo continua ressoando, mais forte que nunca, como atestam as manchetes diárias dos jornais.
Os comunistas norte-americanos responderam primeiro, e mais enfaticamente, à nova doutrina que veio da Rússia. Mas o povo negro, e setores significativos da sociedade branca norte-americana, responderam indiretamente, e seguem respondendo, mesmo não reconhecendo isto.
Os atuais líderes oficiais do movimento pelos "direitos civis" dos negros norte-americanos, mais que um pouco surpreendidos frente à crescente combatividade do movimento e o apoio que está conseguindo na população branca do país, pouco suspeitam o quanto o ascendente movimento deve à Revolução Russa que todos eles patrioticamente rechaçam.
O Reverendo Martin Luther King afirmou, ao tempo da batalha do boicote em Montgomery, que o seu movimento fazia parte da luta mundial dos povos de cor pela independência e a igualdade.(11) Deveria haver acrescentado que as revoluções coloniais, que efetivamente são um poderoso aliado do movimento negro nos Estados Unidos, conseguiram seu impulso inicial da Revolução Russa – e são estimuladas e fortalecidas dia a dia pela contínua existência desta revolução na forma da União Soviética e da nova China, que o imperialismo branco subitamente "perdeu".
Indiretamente, mas de uma forma ainda mais convincente, os mais raivosos anti-soviéticos, entre eles os políticos liberais e os dirigentes sindicais oficiais, testemunham isto quando dizem: O escândalo de Little Rock e coisas do mesmo tipo não devem acontecer porque favorecem a propaganda comunista entre os povos coloniais não-brancos.(12) Seu temor à "propaganda comunista", tal como o temor de outras pessoas a Deus, lhes faz virtuosas.
Agora tornou-se convencional, para os líderes sindicais e os liberais do Norte, simpatizar com a luta dos negros por alguns poucos direitos elementares como seres humanos. É "O Que Se Deve Fazer", um símbolo da inteligência civilizada. Até os ex-radicais convertidos em uma espécie de "liberais" anti-comunistas – uma espécie muito fraca – são agora orgulhosamente "corretos" em seu apoio formal aos "direitos civis" e em sua oposição à segregação dos negros e outras formas de discriminação. Mas como chegaram a isso?
Os liberais de hoje jamais perguntam-se por quê – salvo algumas notáveis exceções – nunca ocorreu a seus similares de uma geração anterior esta nova e mais esclarecida atitude sobre os negros antes que Lenin e a Revolução Russa puseram de pernas pro ar à velha, bem estabelecida e complacentemente aceitada doutrina de que as raças deviam ser "separadas e desiguais".(13) Os liberais e líderes sindicais anti-comunistas norte-americanos não sabem, mas algo da influência russa que odeiam e temem tanto lhes contagiou.
Como todo mundo sabe, finalmente os stalinistas atrapalharam a questão negra, assim como atrapalharam todas as demais questões. Traíram a luta pelos direitos dos negros durante a Segunda Guerra Mundial, em serviço à política exterior de Stalin – do mesmo modo, e pelo mesmo motivo fundamental, que trairam os operários grevistas norte-americanos e aplaudiram os representantes do governo quando pela primeira vez se utilizou a Lei Smith, no julgamento contra os trotskistas em Minneapolis em 1941.(14)
Agora todo mundo o sabe. Ao final se colheu o que se semeou, e os stalinistas mesmos têm-se visto obrigados a confessar publicamente algumas de suas traições e ações vergonhosas. Mas nem o suposto arrependimento por crimes que não podem ser ocultados nem os alardes sobre virtudes passadas que outros estão pouco dispostos a recordar, parecem servir-lhes de nada. O Partido Comunista, ou melhor, o que fica disso, é tão desprestigiado e desprezado que hoje se reconhece pouco ou nada de seu trabalho na questão dos negros durante aqueles anos anteriores, quando teve conseqüências extensas que em sua maior parte foram progressistas.
Não é meu dever nem meu propósito prestar ajuda aos stalinistas. O único objetivo desta descrição resumida é esclarecer alguns fatos acerca da primeira época do movimento comunista norte-americano para o benefício dos estudiosos de uma nova geração, que desejam conhecer toda a verdade, sem temor nem favor, e aprender algo dela.
A nova política sobre a questão negra, aprendida dos russos durante os primeiros dez anos do comunismo norte-americano, deu ao Partido Comunista a capacidade de avançar a causa do povo negro nos anos 30; e de estender sua própria influência entre os negros em uma escala da qual nenhum movimento radical tinha-se aproximado até então. Estes são os fatos históricos, não somente da história do comunismo norte-americano, mas também da história da luta pela emancipação dos negros.
Para aqueles que olham para o futuro estes fatos são importantes, uma antecipação das coisas por vir. Através de sua atividade combativa durantes os anos anteriores, os stalinistas deram um grande ímpeto ao novo movimento negro. Posteriormente, sua traição à causa dos negros durante a Segunda Guerra Mundial preparou o caminho para os gradualistas que têm sido os dirigentes incontestados do movimento desde esse período.
A política do gradualismo, de prometer liberdade ao negro dentro do marco do sistema social que o subordina e degrada, não está dando resultado. Não vai à raíz do problema. Grandes são as aspirações do povo negro e grandes também as energias e emoções em sua luta. Porém as conquistas concretas de sua luta até agora são lastimosamente escassas. Têm avançado alguns milímetros, mas a meta da verdadeira igualdade se encontra a muitos, muitos quilômetros de distância.
O direito de ocupar um banco vazio em um ônibus; a integração de um punhado de meninos negros em algumas escolas públicas; algumas vagas abertas para indivíduos negros na administração pública e algumas profissões; direitos de emprego iguais no papel, mas não na prática; o direito à igualdade, formal e legalmente reconhecido mas negado na prática a cada momento: este é o estado de coisas na atualidade, 96 anos depois da Proclamação da Emancipação.
Tem havido uma grande mudança na perspectiva e nas reivindicações dos negros desde a época de Booker T. Washington, mas nenhuma mudança fundamental em sua situação real. O crescimento desta contradição está levando a uma nova explosão e uma nova mudança de política e liderança. Na próxima etapa do seu desenvolvimento, o movimento negro norte-americano se verá obrigado a orientar-se a uma política mais combativa que a do gradualismo e buscar aliados mais confiáveis que os políticos capitalistas do Norte, que estão vinculados com os "dixiecratas" do Sul. Os negros, mais que ninguém neste país, têm motivo – e direito – para ser revolucionários.
Um partido operário honesto da nova geração reconhecerá este potencial revolucionário da luta dos negros e proporá uma aliança combativa do povo negro e o movimento operário em uma luta revolucionária comum contra o sistema social existente.
As reformas e as concessões, muito mais importantes e significativas que as obtidas até agora, serão subprodutos desta aliança revolucionária. Em cada fase da luta se lutará a seu favor e elas serão conseguidas. Porém o novo movimento não se deterá com reformas, não será satisfeito com concessões. O movimento do povo negro e o movimento operário combativo, unificados e coordenados por um partido revolucionário, resolverão a questão dos negros da única maneira em que pode ser resolvida: mediante uma revolucão social.
Os primeiros esforços do Partido Comunista nesta questão, durante a geração passada, serão reconhecidas e assimiladas. Nem sequer a experiência da traição stalinista será desperdiçada. A lembrança desta traição será uma das razões porque os stalinistas não serão os dirigentes na próxima vez.
Los Angeles 
8 de maio de 1959
Notas dos tradutores:
(1) Eugene V. Debs (1855-1926) foi dirigente de uma importante greve dos ferroviários e depois do Partido Socialista dos Estados Unidos. Foi encarcerado por sua oposição à Primeira Guerra Mundial. Embora tenha declarado sua simpatia pela Revolução Bolchevique, não uniu-se ao Partido Comunista. (retornar ao texto)
(2) Victor Berger: um dirigente da ala direita do Partido Socialista. (retornar ao texto)
(3) Nos Estados Unidos, a região do Sudeste que foi o coração da confederação escravocrata durante a Guerra Civil (1860-65) é conhecida como o "Deep South". (retornar ao texto)
(4) Booker T. Washington (1856-1915) foi um dirigente negro que colocou a "auto-melhoria" da população negra e se opôs às lutas diretas contra a opressão. (retornar ao texto)
(5) Angelo Herndon foi um jovem comunista negro perseguido por um embuste da polícia em Atlanta, Georgia em 1932 e acusado de "incitar à insurreição". Os acusados de Scottsboro, Alabama foram oito jovens negros vítimas de um embuste racista nos anos 30. Foram condenados à morte mas logo foram perdoados como resultado da campanha em sua defesa. (retornar ao texto)
(6) A Reconstrução (1865-77) foi o período depois da derrota da Confederação escravocrata na Guerra Civil norte-americana, quando, sob a proteção de tropas do Norte, foram concedidos direitos de cidadania aos antigos escravos e se desmantelou uma parte do poder dos latifundiários (antigos escravistas) do Sul. Em várias partes do Sul foram eleitos governos locais compostos em grande parte de negros, junto com radicais brancos do Norte. A Reconstrução foi traída pela burguesia do Norte no seu Compromisso de 1877 com os políticos racistas do Sul; as tropas federais foram retiradas e o terror racista esmagou os direitos básicos dos negros. (retornar ao texto)
(7) A palavra-de-ordem da autodeterminação dos negros na "faixa negra" formada por várias áreas do Sul dos Estados Unidos foi promulgada pelo Sexto Congresso da Internacional Comunista (1928). Já então essa "faixa negra" era semi-fictícia, devido à migração de grande parte da população negra às cidades industriais do Norte e centro do país, Califórnia, e outras áreas. Na realidade, o povo negro (que entre outras coisas não tinha um território em comum) não era uma nação mas sim uma "casta de cor e raça", integrada na economia capitalista mas segregada nos níveis inferiores da mesma. A palavra-de-ordem da autodeterminação encontrou resistência da maioria dos dirigentes negros do PC dos Estados Unidos. Porém, a Comintern stalinizada insistiu e se começou a propagar a palavra-de-ordem mais energicamente em 1930. (retornar ao texto)
(8) Marcus Garvey (1887-1940) dirigiu o movimento pelo "retorno à África". (retornar ao texto)
(9) Os abolicionistas foram os que agitaram a favor da abolição da escravidão nos Estados Unidos antes da emancipação dos escravos em 1863, proclamada por Abraham Lincoln durante a Guerra Civil. (retornar ao texto)
(10) Com o impulso das três greves gerais de 1934 (as de Minneapolis, dirigida pelos trotskistas; Toledo, dirigida pelo American Workers Party, que pouco depois se unificou com os trotskistas; e São Francisco, dirigida pelos stalinistas), em 1935 se formou uma nova agrupação sindical: o Congress of Industrial Organizations (CIO – Congresso de Organizações Industriais). O CIO rompeu com a velha e conservadora confederação, a American Federation of Labor (AFL – Federação Norte-Americana do Trabalho), cujos sindicatos, organizados por profissões, geralmente haviam agrupado somente os operários mais qualificados. Os novos sindicatos do CIO foram "industriais", quer dizer, baseados na organização de todos os trabalhadores de uma indústria em um só sindicato. Em 1953 a AFL e o CIO se fundiram para formar a AFL-CIO, que na atualidade é a única confederação sindical nos Estados Unidos. (retornar ao texto)
(11) Em 1955, o movimento pelos direitos civis chegou à atenção nacional nos Estados Unidos quando a população negra de Montgomery, Alabama, realizou, durante todo um ano, um boicote dos ônibus municipais, que eram racialmente segregados. (retornar ao texto)
(12) Em Little Rock, Arkansas, em setembro de 1957, racistas brancos atacaram estudantes negros que, sob um mandado judicial contra a segregação racial, freqüentaram pela primeira vez uma escola secundária que anteriormente havia sido reservada para os brancos. Quando a população negra mobilizou-se para defender-se, o presidente Eisenhower enviou tropas para ocupar a cidade e impedir este esforço de auto-defesa dos negros. (retornar ao texto)
(13) "Separadas e desiguais": referência irönica à doutrina da primeira metade do século XX de que os negros iam ser "separados" (quer dizer, segregados) dos brancos, mas "iguais" aos mesmos. Esta doutrina havia sido avalizada também por alguns "líderes" negros. (retornar ao texto)
(14) Pregando a "união anti-fascista" com o presidente Roosevelt na Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista stalinizado se opôs raivosamente tanto às greves como aos protestos contra a segregação racial. A Lei Smith contra a "subversão" foi usada para encarcerar 18 trotskistas, entre eles Cannon e dirigentes do sindicato dos caminhoneiros de Minneapolis, devido a sua oposição revolucionária à Segunda Guerra Mundial imperialista. Logo, sob o macartismo, a mesma lei foi usada para encarcerar muitos dirigentes do Partido Comunista. (retornar ao texto)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Os Panteras Negras e o DRUM

Shawki, Ahmed. Black
Liberation and Socialism.
Chicago, IL, USA:
Haymarket Books, 2005. p 1.

Shawki, Ahmed.
Black Liberation and Socialism.
Capitulo 11.
Os Panteras Negras e o DRUM.

                A radicalização da luta negra na década de 1960 refletia um crescimento similar ao do movimento de oposição em toda a sociedade dos EUA. O movimento de direitos civis inspirou uma geração de jovens – negros e brancos - para se tornarem ativos politicamente. O caráter global da sociedade americana e em particular a guerra no Vietnã levou uma parcela de estudantes e de jovens nos Estados Unidos a se colocar bruscamente à esquerda. Ao mesmo tempo, a radicalização não se limitava aos estudantes. Na verdade, a luta negra encontrou suas manifestações mais radicais nos guetos do norte, nas fábricas de automóveis de Detroit e em outros centros de produção. As duas organizações mais radicalizadas foram o Partido dos Panteras Negras em Auto defesa (BPP) e o Revolucionário Movimento Sindical Dodge (DRUM).

                Estas organizações capturaram o melhor das ideias radicais e nacionalistas dos negros da década de 1960, e por um breve período, influenciaram muitos milhares de ativistas. Mais de milhares souberam deles. O marxismo também influenciou os BPP e o DRUM, já que ambos perceberam a necessidade de uma reconstrução radical da sociedade capitalista. Embora cada um tenha olhado para diferentes forças sociais e defendido diferentes estratégias sobre como mudar o mundo, eles refletiam o amadurecimento e evolução da luta que durava mais de uma década quando eles surgiram.

                Huey P. Newton e Bobby Seale formaram o Partido dos Panteras Negras em 1966. Seale e Newton se conheceram quando eram estudantes em um colégio da comunidade em Oakland, Califórnia. Os Panteras ganharam notoriedade anos depois por causa de sua intervenção na luta contra a brutalidade policial em Oakland, organizando patrulhas para monitorar a polícia1. Suas atividades de monitoramento incluíam o porte de armas visíveis e a observação de prisões da polícia, o que era perfeitamente legal – mas é preciso dizer que não foi bem recebido pelo departamento de polícia. Logo, o legislador da Califórnia adotou medidas na legislação para proibir as patrulhas armadas dos Panteras. Em 2 de maio de 1967, o Panteras responderam organizando uma delegação de membros armados em marcha para o prédio do Capitólio do Estado, entraram na galeria do visitante da câmara legislativa e leram um comunicado2. Essa ação colocou os Panteras sobre o holofote nacional. Do dia para a noite, o Partido Panteras Negras tornou-se um fenômeno nacional.

                Os Panteras não eram apenas uma organização de vigilância da brutalidade policial. O programa de dez pontos adotado pelo partido se consistiu como um conjunto de demandas e posições políticas. Essas demandas combinam um conjunto de demandas imediatas com algumas reformas que questionavam toda a base do sistema:

1.Nós queremos liberdade. Queremos poder para determinar o destino de nossa comunidade negra. Acreditamos que os negros não serão livres enquanto não determinarem eles mesmos seu destino.

2.Queremos desemprego zero para nosso povo • Acreditamos que o governo federal é responsável e obrigado a dar a todos os homens e mulheres emprego e garantir alguma forma de salário. Acreditamos que se os homens de negócio, brancos e americanos, não quiserem dar emprego a todos, então os meios de produção devem ser tomados deles e colocados a disposição da comunidade para que as pessoas possam se organizar e empregar toda a gente, garantindo um nível de vida de qualidade.

3.Queremos o fim da ladroagem dos capitalistas brancos contra a comunidade negra. • Acreditamos que esse governo racista nos roubou, e agora exigimos um pagamento de sua dívida de 40 hectares e duas mulas. Esse pagamento foi prometido há 100 anos como restituição por todo o trabalho escravo e os assassinatos em massa do povo negro. Nós iremos aceitar o pagamento em moeda corrente e ele será distribuído por todas as nossas comunidades. Os alemães estão agora ajudando os judeus em Israel pelo genocídio que realizaram contra aquele povo. Os alemães mataram 6 milhões de judeus. Os americanos racistas foram parte do assassinato de mais de 50 milhões de pessoas negras; portanto, sentimos que essa é uma demanda bem modesta que estamos fazendo.

4.Queremos casas decentes para abrigar seres humanos. • Acreditamos que se os donos de terras brancos não derem casas decentes para a comunidade negra,então as terras e casas devem se tornar cooperativas para que nossa comunidade, com a ajuda do governo, possa construir suas próprias casas.

5.Queremos educação para nosso povo! Uma educação que exponha a verdadeira natureza da decadência da sociedade americana. Queremos que seja ensinado nossa verdadeira história e nosso papel na sociedade atual. • Acreditamos em um sistema educacional que irá fornecer a nosso povo o conhecimento de si mesmos. Se uma pessoa não tem conhecimento sobre si mesmo e sobre sua posição na sociedade e no mundo, então essa pessoa tem pouquíssimas chances de se relacionar com qualquer coisa que seja.

6.Queremos que todos os homens negros sejam liberados dos serviços militares. • Acreditamos que o povo negro não pode ser forçado a lutar no serviço militar para defender um governo racista que não nos protege. Nós não vamos lutar nem matar outras pessoas de cor no mundo que, como o povo negro, estão sendo vitimizados pelo governo americano branco e racista. Nós iremos nos proteger da violência e da força dessa polícia e exército racista, por qualquer maneira que seja necessária.

7.Queremos um fim imediato à BRUTALIDADE POLICIAL e aos ASSASSINATOS contra o povo negro. • Acreditamos que podemos acabar com a brutalidade policial em nossa comunidade negra ao nos organizarmos em grupos negros de auto-defesa dedicados a defenderem as comunidades negras da opressão e brutalidade da polícia racista. A segunda emenda da constituição dos Estados Unidos nos dá o direito de portar armas. Portanto, nós acreditamos que todo o povo negro deve se armar para sua defesa pessoal.

8.Queremos liberdade de todos os presos, em qualquer que seja a instância, federal, estadual, municipal. • Acreditamos que todo o povo negro deve ser solto das várias prisões e cadeias que se encontram por não terem recebido um julgamento justo e imparcial.

9.Queremos que todas as pessoas negras que forem a julgamento sejam julgadas por seus pares ou por pessoas de sua própria comunidade negra, como definido pela Constituição dos Estados Unidos. • Acreditamos que as cortes devem seguir a constituição dos Estados Unidos para que o povo negro receba julgamentos justos. A emenda de número 14 da Constituição dá o direito de uma pessoa ser julgada por algum par seu. Seu par é uma pessoa de situação econômica, social, religiosa, geográfica, ambiental, histórica e racial similar. Para isso ser cumprido, a corte será forçada a ir atrás de alguém da comunidade da pessoa negra que está sendo julgada. Nós fomos, e estamos sendo, julgados por juízes brancos que não tem conhecimento nenhum de quem é uma pessoa negra de uma comunidade.

10.Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. • Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que as leis da natureza e de Deus lhes conferiu o direito, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação.

                Nós acreditamos que essas verdades são auto-evidentes: que todos os homens são criados de maneira igual; que eles foram dotados por seu Criador com certos direitos inalienáveis; que dentre eles estão a vida, a liberdade, e a busca por felicidade. Que, para proteger esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seu poder justo pelo consentimento dos governados; que, quando qualquer governo acaba por destruir esses fins, é o direito do povo alterar ou abolir o governo, e instituir um novo, baseando-o em tais princípios, e organizando os poderes em tais formas, como lhe pareça mais conveniente para sua felicidade e segurança. Prudência, de fato, vai ditar que os governos instituídos há muito tempo não deveriam ser alterados por motivos leves e transitórios; e, consequentemente, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo as formas aos quais estão acostumados. Mas, quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, é seu direito, é seu dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiões para sua segurança futura.


                Quando, no curso dos acontecimentos da humanidade, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro e assumir, entre os poderes da terra, a separação e a igual posição que as leis da natureza e a natureza de Deus os da o direito, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os impelem à separação.3

                Os Panteras Negras em Autodefesa se tornou a mais influente das formações negras radicais do final dos anos 1960. A política do BPP era uma mistura de nacionalismo negro radical, marxismo do terceiro mundo, e política de serviços à comunidade. O mais bem sucedido dos serviços comunitários desenvolvidos pelos Panteras foi o seu programa de café da manhã gratuito para crianças em idade escolar, organizado por Bobby Seale. Em outubro de 1968, o jornal do partido colocou um anúncio chamando voluntários para ajudar a servir o café da manhã. Dentro de um ano, no final de 1969, o programa de café da manhã foi operacionalizado em dezenove cidades. Nacionalmente, um número estimado de 20.000 crianças receberam café da manhã gratuito, através do programa dos Panteras antes de irem para a escola.4

                Os Panteras se viam como revolucionários e acreditavam que o sistema capitalista precisava ser derrubado. Eles tentaram fazer alianças com aqueles que partilhavam um interesse comum, incluindo brancos. Eles também foram bastante hostis com as forças do movimento negro que, acreditavam eles, alegavam lutar para a liberdade negra, mas na realidade acabavam apoiando a existência do capitalismo. Assim, por exemplo, enquanto se denominavam nacionalistas negros, eram fortemente críticos do nacionalismo cultural. Huey P. Newton resumiu as opiniões do BPP:

                Existem dois tipos de nacionalismo, o nacionalismo revolucionário e nacionalismo reacionário. O Nacionalismo revolucionário primeiro depende de uma revolução popular, o objetivo final é o povo no poder. Portanto, para ser um nacionalista revolucionário você por necessidade tem que ser socialista. Se você é um nacionalista reacionário você não é socialista e seu objetivo é a opressão do povo.

                Nacionalismo Cultural, ou nacionalismo costela de porco, como eu às vezes chamo, é basicamente um problema de ter a perspectiva política errada. Parece ser reação em vez de responder à opressão política. Os nacionalistas culturais estão preocupados com o retorno à antiga cultura Africana e, assim, recuperar a sua identidade e liberdade. Em outras palavras, eles sentem que a cultura Africana trará automaticamente a liberdade política. Muitas vezes os nacionalistas culturais caem na linha do nacionalismo reacionário.5

                Newton liga a luta contra o racismo com a luta contra o capitalismo: " O Partido dos Panteras Negras é um grupo nacionalista revolucionário e vemos uma grande contradição entre o capitalismo neste país e os nossos interesses. Percebemos que este país se tornou muito rico sobre a escravidão e que a escravidão é o capitalismo ao extremo. Temos dois males que devemos lutar contra, o capitalismo e o racismo. Devemos destruir tanto o racismo quanto capitalismo " .6

                Depois de uma breve fusão entre os panteras e SNCC, Stokely Carmichael, que foi nomeado primeiro-ministro do Partido dos Panteras Negras, demitiu-se da organização. Em resposta a sua demissão, Eldridge Cleaver, ministro BPP de informação, escreveu:

                Os inimigos do povo negro aprenderam alguma coisa com a história, mesmo que você não tenha. Descobriram novas maneiras de nos dividir mais rápido do que estamos descobrindo novas maneiras de nos unir. Uma coisa que eles sabem, e nós sabemos, mas que parece escapar a você, é que não ha qualquer revolução ou libertação negra nos Estados Unidos, enquanto os revolucionários negros, brancos, mexicanos, porto-riquenhos, indianos, chineses e esquimós não forem incapazes de se unir em alguns mecanismos funcionais que possam lidar com a situação. Suas conversas e medos sobre coalizão precoce são um absurdo, porque nenhuma coalizão contra a opressão por parte das forças que possuem integridade revolucionária pode ser prematura. Mas de qualquer jeito, já é tarde demais, porque as forças da contra-revolução está varrendo o mundo, e isso está acontecendo justamente porque no passado as pessoas foram unidas em uma base que perpetua a desunião entre as raças e ignora princípios revolucionários básicos e as análises.7

                Destruir o capitalismo era uma tarefa além do alcance dos 11% da população que os negros representavam. Portanto, os Panteras reconheceram a necessidade de aliar-se com os oprimidos e explorados de todos os grupos raciais e étnicos para lutar contra um inimigo comum. Ou, como Bobby Seale colocou: "pessoas da classe trabalhadora de todas as cores devem se unir contra a exploração da classe dominante opressora. Deixe-me enfatizar novamente - nós acreditamos que a nossa luta é a luta de classes não é uma luta de raça."8

                Embora eles se comprometessem com as ideias marxistas, uma forma distorcida do marxismo - o Maoísmo - influenciou muitos os Panteras. O Maoísmo foi especialmente prevalente entre os radicais nos Estados Unidos, porque tinha um número de características que o fizeram atraente para uma nova geração. O Maoísmo, a ideologia dominante do Povo "comunista" da República da China, ganhou terreno, por duas razões principais: primeiro, ofereceu uma identificação geral com os movimentos de libertação do Terceiro Mundo, como do Vietnam e, segundo, se ligam com a falta de confiança nas forças da classe trabalhadora e nos indígenas como catalisadores para a mudança que nos EUA muitos radicais sentiam. A análise perceptiva deste processo e seu efeito sobre os diversos setores da população americana tem afetado o movimento radical... Com um crescente sentimento de isolamento. No contexto desse sentimento de forma isolada a maior parte do povo americano, sob o impacto de uma grande fome de identidade política, a afinidade sentida pela maioria SDSers [ Estudantes para uma Sociedade Democrática ] para lideranças revolucionárias no Terceiro Mundo era cada vez mais transformado em identificação primária "9 Muitos radicais até tentaram imitar o estilo e a prática que eles percebiam como a prática dos radicais Chineses. Durante seu período mais radical , a da "Revolução Cultural" na China, os maoístas construíram um culto à personalidade grotesca em torno de seu líder , o presidente Mao Zedong . Hagiógrafos de Mao o transformaram em um deus virtual. Transferindo isso para o BPP , nos Estados Unidos , Huey Newton dizia que : "Um revolucionário deve perceber que, se ele é sincero a morte é iminente devido ao fato de que as coisas que ele está dizendo e fazendo são extremamente perigosas . Sem essa compreensão, é impossível proceder como um revolucionário. As massas estão constantemente à procura de um guia, um Messias, para libertá-los das mãos do opressor. O partido de vanguarda deve exemplificar as características de uma liderança digna.”10 Este era um grito longe de advertência de Karl Marx que " os educadores devem ser educados " , um ponto que ele argumentava contra a forma elitista do socialismo fornecer um salvador.

                No entanto, não havia como negar a simpatia enorme (se não o apoio definitivo) que existia nas comunidades negras com os Panteras Negras. Em 13 de janeiro de 1970, o Wall Street Journal trazia como história de primeira página a manchete: "Apoiadores dos Panteras" e o subtítulo dizia: "Muitos Vozes Negras Americanas dão Forte Apoio Aos Militantes provocadores." Os repórteres concluíram que os Panteras tiveram uma grande base de apoio. Na verdade, eles escreveram "uma clara maioria de negros [em San Francisco, Nova York, Cleveland e Chicago] apoiam tanto os objetivos quanto os métodos dos Panteras Negras. Uma porcentagem ainda maior acredita, ainda, que os policiais estão determinados a esmagar o partido prendendo ou matando seus militantes-chave ".11

                O sucesso e o crescimento do Partido dos Panteras Negras foi um grande motivo de preocupação para o governo dos EUA. A partir de 1967, o FBI lançou COINTELPRO - um programa secreto massivo de ruptura e repressão contra o movimento. Um memorando do FBI desenvolvia o programa descrevendo os objetivos da COINTELPRO como:

1. Impedir a coalizão de grupos de militantes nacionalistas negros ...

2. Evitar o surgimento de um "messias" que unifique e eletrifique o movimento militante nacionalista... Martin Luther King, Stokely Carmichael e Elijah Muhammad, todos aspiram a essa posição ...

3. Prevenir a violência por parte de grupos nacionalistas negros ...

4. Impedir que os grupos nacionalistas negros militantes e líderes de ganhar respeitabilidade desmoralizando-os ...

5. ... Impedir o crescimento de uma gama de organizações nacionalistas negras militantes, especialmente entre os jovens.12

                O Partido dos Panteras Negras não estava entre o original "nacionalista negro" como definido pelo FBI em 1967. Em setembro de 1968, no entanto, o diretor do FBI J. Edgar Hoover descreveu os Panteras como "a maior ameaça para a segurança interna do país." O BPP, afirmou Hoover, é "educado na ideologia marxista-leninista e no ensino Comunista chinês e da violência, não só para os moradores do gueto, mas para alunos de faculdades, universidades e escolas de ensino médio também. "13

                Em julho de 1969, os Panteras Negras se tornaram o foco principal do programa, e foram, finalmente, a meta de 233 do total ações autorizadas do "Nacionalismo Negro" do COINTELPRO. O relatório da Comissão da Igreja afirma inequivocamente:

               Embora o propósito alegado de táticas da COINTELPRO era para prevenir a violência, algumas das táticas do FBI contra o BPP foram claramente destinada a fomentar a violência, e muitos outros poderiam sensatamente ter esperado que causasse violência.14

                O programa do FBI para destruir o Partido dos Panteras Negras incluiu um esforço concertado para amordaçar pessoas simpáticas aos seus objetivos de expressar seus pontos de vista, e incentivar os meios de comunicação a relatar histórias desfavoráveis para os Panteras. Essas táticas também envolveram divulgação de informações falsas ou inflamatória, promovendo a dissidência dentro do BPP e entre o BPP e outras organizações.

                Em maio de 1970, a sede do FBI ordenou a Chicago, Los Angeles, Miami, Newark, New Haven, New York, San Diego e escritórios de campo San Francisco a fazer avançar propostas de impedir o jornal BPP, O Pantera Negra. A ação imediata foi considerada necessária porque: "The Black Panther Party jornal é uma das operações de propaganda mais eficazes do BPP ... A distribuição deste jornal está aumentando a uma taxa regular influenciando assim um maior número de indivíduos nos Estados Unidos junto à linhas Negras extremista. "15

                O grau de repressão do governo contra os Panteras Negras ou dos seus efeitos a partir envio de uma mensagem assustadoras para todos os ativistas não deve ser subestimado. E esta repressão não estava limitada ao BPP. O COINTELPRO foi aplicado a quaisquer grupos ou movimentos que eram vistos como uma ameaça - real ou imaginária. Mas o BPP e a ala radical do movimento de libertação negra não pararam só pela violência governo e infiltração. Havia também limitações na política, estratégia e táticas dos Panteras que contribuíram para seu declínio. Um dos mais importantes entre os pontos fracos era a aceitação da noção semi- militarista da política (pousia slogan "fluxos de energia a partir do cano de uma arma" de Mao Zedong). Além disso, eles acreditavam que a fonte de mudança revolucionária e do poder social reside nos despossuídos e marginalizados – o urbano "lumpem proletariado" - em vez da massa de trabalhadores. A ênfase em "pegar a arma" era mais exagerada por alguns líderes dos panteras do que outros, mas foi firmemente parte da cultura do partido.

                O foco dos Panteras em organizar o lumpem proletariado vem de sua compreensão da dinâmica da estrutura de classe, em que os negros americanos formaram uma colônia interna, eles argumentavam, e, portanto, eles estavam em uma luta por libertação nacional, comparado aos movimentos de guerrilha em Argélia , Cuba ou Vietnã. A ênfase na organização dos mais despossuídos e marginalizados - análogo ao campesinato a partir do qual os guerrilheiros do Terceiro Mundo desenharam o seu apoio - fez a organização dos Panteras instável . Isso significava que a organização encontrou dificuldades para estabelecer rotinas consistentes, um problema agravado pela chegada de milhares de recrutas para o partido no final de 1960. Esta instabilidade fez com que o partido fosse mais facilmente infiltrado. A ênfase, mais por alguns membros do que por outros na "arma", permitiu que o governo dos EUA pudesse isolar e "desarmar" o BPP. A campanha concertada de repressão do governo, juntamente com as fraquezas internas do partido levou à sua morte eficaz como força coerente no início dos anos 1970.16

                Infelizmente, apesar de um grande número de negros da classe trabalhadora (e outros) identificados com os panteras, o foco dos Panteras sobre o lumpem proletariado os levou longe de seus aliados potencialmente mais poderosos, os trabalhadores radicalizados. Eldridge Cleaver, que poderia argumentar contra Stokely Carmichael sobre a necessidade de ter uma visão não-racial, podia, ao mesmo tempo descrever a classe trabalhadora nos Estados Unidos, nos seguintes termos: "Na realidade, é preciso dizer que a Classe Trabalhadora , em particular a classe trabalhadora americana, é um parasita sobre o patrimônio da humanidade, da qual o Lumpen foi totalmente roubado pelo sistema fraudado do capitalismo que, por sua vez, jogou a maioria da humanidade sobre o monte de lixo enquanto ele compra com uma porcentagem de desconto empregos e segurança.”’17

                O movimento sindical revolucionário da Dodge, por outro lado, era uma organização que se baseou em trabalhadores industriais negros. A organização surgiu de uma greve selvagem em 1968 em fábricas de automóveis de Detroit. O significado do DRUM estava no simples fato de que o movimento tinha saído da organização nas ruas, nas comunidades, e agora estava se organizando nos locais de trabalho - no coração do capitalismo. Como Dan Georgakas e Marvin Surkin comentam na história do DRUM, Detroit: Eu não me importo de morrer:

                Nada menos que a autoridade do que o Wall Street Journal, começou a levar muito a sério a partir do primeiro dia de greve selvagem, pois o Wall Street Journal havia entendido algo que a maioria dos estudantes radicais brancos ainda iriam entender: o movimento negro dos anos sessenta, tinha finalmente chegado a um dos elos mais vulneráveis ​​do sistema econômico americano - o ponto de produção em massa, a linha de montagem.18

                Ao contrário dos Panteras Negras, os líderes do DRUM acreditavam que os trabalhadores negros, não os desempregados urbanos, eram o grupo social decisivo e potencialmente mais poderoso para organizar. O DRUM acreditava que por causa de seu papel vital em algumas das indústrias mais importantes dos Estados Unidos, os trabalhadores negros tinham um papel fundamental a desempenhar na mudança da sociedade.

                O DRUM atribuiu aos trabalhadores negros o papel de ser a vanguarda da classe operária. Os trabalhadores brancos nos Estados Unidos não podiam ser considerados um aliado confiável na luta da classe trabalhadora unida. Como Mike Hamlin, um dos líderes do DRUM, colocou: "Os brancos da América não agem como trabalhadores. Eles não agem como proletariado. Eles agem como racistas. E é por isso que eu acho que os negros têm de continuar a ter organizações negras independentes dos brancos".19

                O DRUM não só organizou contra as empresas de automóveis, mas também mirou nos Sindicatos de Trabalhadores automotivos (United Automobile Workers - UAW) por causa de sua cumplicidade com a administração, a sua incapacidade para representar seus membros negros e, a virtual ausência de negros dentro da liderança do sindicato. Poucos meses depois da formação do DRUM, outros Movimentos Sindicais Revolucionários, "RUM"s foram formados em outros locais de trabalho de Detroit, notavelmente na Ford Motors, nas plantas da General Motors, e no United Parcel Service.

                Os RUMs se uniram e formaram a Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários em 1969. A liderança do DRUM foi destinada para coordenar as diversas organizações no local de trabalho sob uma liderança central, e para chegar à comunidade negra em Detroit, bem como a nível nacional. Georgakas resume a importância do DRUM e da Liga:

                Não foi acidentalmente que a Liga tenha sido construída em torno de trabalhadores e não de estudantes, de moradores de rua, mães sustentadas pela seguridade social ou outros setores da sociedade. As pessoas que criaram a Liga eram marxistas. Eles acreditavam que os trabalhadores organizados, não por causa de alguma noção mítica da nobreza dos trabalhadores, mas porque os trabalhadores têm poder real. Os trabalhadores são o nexo dos meios de produção. Quando agem, todos são afetados. Se os trabalhadores exercerem seu der político, tudo é possível. Não é que os estudantes não são importantes, que as mães que vivem de seguridade social não devam ser organizadas, que alguns moradores de rua não podem de fato tornar-se mais do que o proletariado lumpen inconstante. A Liga simplesmente apontou que nenhuma outra formação de classes era forte o suficiente para liderar um movimento de massas. Além disso, os trabalhadores têm famílias. Assim, você automaticamente liga a questões de educação, saúde e habitação.

                Naquela época, Detroit era a cidade mais industrializada nos Estados Unidos, e um em cada seis empregos americanos estavam ligados, direta ou indiretamente à indústria automobilística. A Liga logo recebeu telefonemas, telegramas e visitantes de todo o país que desejam criar grupos semelhantes. Houve contato com um movimento em curso na fábrica da Ford em Mahwah, New Jersey, e com uma planta da GMC em Fremont, Califórnia. Outras consultas vieram de metalúrgicos em Birmingham, Alabama, e trabalhadores de autos em Baltimore, Maryland. A Liga percebeu que esses e outros grupos poderiam ser fundidos em um Congresso trabalhadores negros (BWC), que operaria a nível nacional para unir os trabalhadores. Assim, o Wall Street Journal tinha razão em se preocupar.20

                A Liga surfou na onda de radicalizações que varreram toda a sociedade dos EUA, como os Panteras, a organização inicialmente cresceu aos trancos e barrancos, capturando o espírito do tempo dos sindicatos ou das organizações negras tradicionais para atender às suas preocupações e necessidades. Mas o próprio sucesso da Liga levantaria questões políticas e estratégicas que a sua liderança não podia responder. Eventualmente estas questões levariam a um pioneirismo bem sucedido – e é bem diferente construir uma organização capaz de resistir a vitimização, repressão e cooptação.

                Como o Partido PanterasNegras, a Liga era uma organização só de negros e via os trabalhadores brancos como parte do problema ao invés de potenciais aliados. Isto, naturalmente, era compreensível dado o contexto histórico e a necessidade política de organizar uma minoria de excluídos e oprimidos, e para concluir que este método de organização é a única maneira de alcançar a libertação. Como uma porcentagem significativa de trabalhadores negros representados nas fábricas de automóveis - na verdade, em Detroit como um todo - não era possível organizar uma oposição bem sucedida para as montadoras (e muito menos para derrubar o capitalismo), sem encontrar uma maneira de conquistar os trabalhadores brancos. Isso não quer dizer que o DRUM não deveria ter se organizado, ou que uma de suas principais tarefas era recrutar trabalhadores brancos pela causa da libertação negra. Mas se o marxismo era a sua inspiração, deveria ter seguido a estratégia de classe multirracial.

                Além disso, a questão do poder, ou seja, como transformar o conjunto da sociedade, teve que analisar questões fora das fábricas de automóveis. O liga se dividiu em 1971 sobre as diferenças de como avançar. A divisão é frequentemente descrita como uma luta entre os nacionalistas que queria se orientar aos guetos negros de Detroit, e os "marxistas" que queriam expandir a Liga fora Detroit e fazer alianças com outras forças. Na verdade, as linhas políticas da divisão não eram tão claras. Ambos os lados aceitaram as ideias de nacionalismo negro e nunca se quebrou a fama de referência. O Colapso do DRUM se deu "por todas as razões que todas as organizações desse período acabara por fracassar. Estes incluíram os inevitáveis ​​problemas de personalidade, pressões financeiras , fadiga pura , e o contra- impulso do outro lado", as montadoras se mudaram a plantas para vitimizar os ativistas do DRUM. Mais especificamente os ativistas do DRUM que tinham avançado na formação da organização depois de anos de trabalho em conjunto, acharam difícil se adaptar a uma nova situação:

                A situação surgiu de um grupo que queria continuar da maneira que tinha trazido sucesso no passado, com ênfase em recursos locais, enquanto que o outro queria também continuar da maneira que tinha trazido sucesso no passado, mas incluindo ativistas que não eram de Detroid politicamente testados. Cada um essencialmente estava contando com uma estratégia que já havia sucedido sem prestar atenção suficiente para os novos detalhes da dinâmica política em desenvolvimento.22

                No DRUM e no Partido dos Panteras Negras, o movimento negro tinha produzido alguns dos revolucionários e socialistas mais eficazes de duas gerações. Esses líderes tinham influência de massas real. Mas no final o movimento foi frustrado. O sistema provou ter mais flexibilidade e espaço para reformas do que os revolucionários acreditavam que era possível. Em parte, isso ocorreu porque o sistema lutou muito contra qualquer concessão. Mas, confrontado com a escolha de um verdadeiro desafio ao seu poder e da concessão de algumas reformas, os que estão no poder escolheram a segunda opção. Enquanto prendia, atormentava, exilava e assassinava setores mais radicais do movimento Black Power (como os Panteras Negras), a máquina do Partido Democrata se coloca na tarefa de cooptar a seção principal do movimento, com considerável sucesso.

                As rebeliões urbanas de 1967 e as perspectivas de atividades mais militante cutucou as máquinas do Partido Democrata, especialmente nos centros urbanos do Norte, para fazer concessões ao sentimento Negro. O comentarista radical Robert l. Allen explicou em 1969, "do ponto de vista liberal, algumas concessões devem ser feitas para que as rupturas futuras, como o motim 1967 sejam ser evitados". A eleição de políticos negros não mudaria as condições que negros viviam em sua jurisdição que, no entanto, "[N]egros deveriam ter a impressão de que o progresso estava sendo feito, que eles estavam finalmente sendo admitidos pela porta da frente ... a intenção é criar a impressão de movimento real enquanto movimento real é muito limitado para ser significativo "23

                Milhares de radicais negros perceberam a necessidade de romper com os democratas neste período, identificando a sua visão política com grupos radicais, como o Partido dos Panteras Negras e o DRUM. Mas forças poderosas trabalharam contra eles. Como a década de 1970 avançava, o boom econômico do pós-guerra diminuiu. Ele caiu em recessão em 1974-75. Isso fez com que as reformas ficassem mais difíceis de serem feitas, pois o governo procurou cortar despesas. O movimento viu suas oportunidades de ter compromissos de ganhos concretos, seus objetivos serem comprometidos também . Assim, o objetivo de transformar a sociedade a partir de abaixo deu lugar ao eleitoralismo no Partido Democrata.


1.       Philip S. Foner, ed., The Black Panthers Speak (Philadelphia: J.B. Lipincott, 1970), XVII.

2.       Ibid., XXI.

3.       “What We Want, What We Believe.”, October 1966 Black Panther Party Plataform and Program, reprinted in ibid, 1-4.

4.       Bush, We Are Not What We Seem,201.

5.       Philip Foner, Black Panthers Speak, 50.

6.       Ibid., 51.

7.       Ibid., 107

8.       Bobby Seale, Size the Time: The Story of the Black Panthers Party and Huey P. Newton (New York: Random House, 1968), 72.

9.       Jack Weinberg and Jack Gerson, “SDS and the Movement,” in Michael Friedman, ed. The New Left of the Sixties (Berkeley, CA: Independent Socialist Press, 1972), 180-228.

10.   Philip Foner, Black Panther Speak, 44.

11.   Ibid., XIII

12.   “Re: Counterintelligence Program/Black Nationalist Hate Groups,” Federal Bureau of Investigation Memorandum, May 4, 1968, 3-4.

13.   U.S. Senate, Select committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities, Summary Detailed Staff Reports on Intelligence Activities ande the Rights of Americans, final report, 94th Congress, 2nd sess., 1976, Book 3, 187-88.

14.   Ibis, 188.

15.   Ibid., 213-14.

16.   See Ward Churchilll  and Jin Vander Walls, eds., Agents of Repression: the FBI´s Secret Wars Against the Black Panther Party and the American Indian Movement. 2nd ed. (Cambridge, MA: South End Press, 2002), 98-99.

17.   Eldridge Cleaver, “One the Ideology of the Black Panther Party,” (San Francisco: Black Panther Party, 1970), available at http://www.etest.org/Politics/MIM/bpp/bppideology1970.html.

18.   Dan Georgakas and Marvin Surkin, Detroid I Do Mind Dying: A Study in Urban Revolution, 2nd ed. (Cambridge, MA: South End Press, 1988), 20.

19.   Bush, We Are Not What We Seem, 2008.

20.   Dan Georgakas, “Revolutionary Struggles of Black Workers in the 19960s,” International Socialist Review 22 (March-April 2002): 59-64.

21.   Ibid., 64.

22.   Ibid.

23.   Allen, Black Awakening, 139.