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terça-feira, 3 de junho de 2014

Para a Crise da Universidade Uma Saída Preta

    Há alguns dias para o inicio da Copa do Mundo, em meio a várias greves operárias e atos contra a Copa protagonizados pela juventude e movimentos sociais, as três universidades paulistas entram em greve: USP, Unesp e Unicamp. Funcionários, estudantes e professores. Mas o que nós pretos temos a ver com isso?
    Estamos em meio a uma queda de braço pela educação. De um lado um projeto de educação liberal que visa precarizar a educação pública para privatizar, de outro os que defendem a educação pública e de qualidade a serviço dos trabalhadores e do povo. É em meio a essa disputa que as três categorias das estaduais paulistas estão inseridas, assim como outros setores da educação que também estão em greve. Precisamos analisar a realidade e decidir em que trincheira iremos lutar, ou morreremos em meio aos tiros cruzados.
          Essa deve servir como uma pequena experiencia para nós pretos e pretas de como é a melhor forma de nós colocarmos, quem são nossos inimigos e aliados para as proximas greves operárias e o avanço da luta de classes que estar por vir. Devemos fazer parte dessa mudança nos apropriar da nossa história de lutar, retomar ou criar novos métodos. A burguesia já percebeu, estamos vendo uma nova tradição aparecer no seio da classe operária, e nós devemos também construir uma nova tradição de luta negra, assim como fazer parte dessa transformação da classe operária.
Em um país que se construiu em cima da exploração de milhares de negros, ligado diretamente a metrópole imperialista que explorava a África e de lá traziam os escravos nossa situação não poderia ser diferente. O capitalismo Brasileiro se constitui de um lado pela pressão do imperialismo da metrópole e de outro pela pressão do povo negro explorado. Por isso não podia armar os negros para garantir sua independência, pois corria o risco de que aqui se desse uma revolução como no Haiti, preferiu se libertar a partir de acordos com a metrópole. Não podia não relegar os negros às condições miseráveis que ainda vivemos até hoje e o trabalho semi-escravo após sua “libertação”, pelo papel que cumpre na divisão do trabalho internacional e pelo medo quenos levantemos contra os nossos opressores.
O racismo em nosso país é o alicerce que ainda garante a paz da burguesia, por isso foi preciso levantar teorias como a democracia racial e arrancar toda a história do povo negro e negar-lhe conhecimento sobre sua história e seu papel na construção de nosso país. Mas como nem isso pode garantir de fato que os negros não se levantem contra seus senhores foi preciso constituir a policia assassina para que se apagasse qualquer faísca acesa pelas contradições sócias que pudesse virar um incêndio preto.
Relegados de praticamente todos os direitos, no que diz respeito a educação também somos nós que mais sofremos com as péssimas condições de ensino, muito de nós sequer consegue termina o ensino básico, precisamos abandonar a escola para ajudar a nossa família, trabalhando dês de cedo nos trabalho mais precarizados. As condições para que possamos adentrar numa universidade pública é minúscula, o filtro social do vestibular também elimina a maioria dos pretos que tentam, os que conseguem entrar em universidades particulares, gastam boa parte do seu salário para conseguir estudar no ensino superior.
    A USP, a melhor universidade de nosso país, umas das poucas que tem como papel a produção de tecnologia avançada para setores da burguesia e a elite agrárias, assim como a formação de quadros para a burguesia não pode permitir que negros adentrem a essa universidade, a não ser como trabalhadores nos cargos mais precarizados, correndo o risco de colocar na mão do povo negro seu conhecimento. Mesmo a Unesp e a Unicamp seguem essa lógica, as três estaduais paulistas representam por exemplo uma enorme parte das pesquisas em nosso pais.
    Hoje nas universidades federais e em algumas estaduais já vemos aplicada a politica de cotas, que em São Paulo, a reitoria a USP não pode prover, mas mais que isso, é preciso garantir que os negros que adentrem essa universidade se coloquem em seu lugar, sendo ou cooptados para defender essa burguesia racista ou que não tenham quase nenhuma condição para dedicar seus estudos a uma crítica ao conhecimento hegemônico e a sociedade.
    Não é atoa o descaso que existe por exemplo com inúmeros casos de racismo que já vimos nessas universidades, ou mesmo o próprio racismo institucional, nem é atoa também as péssimas condições de permanência que afetam principalmente os poucos pretos e pretas que conseguem adentrar a universidade. Essa universidade é racista, elitista, e precisa perpetuar isso para garantir sua existência no moldes que temos hoje.
    Dentro desse projeto quem mais sofre com a precarização da educação pública somos nós pretos e pretas. A maior parte dos brancos que estudam das estaduais paulistas tiveram condições de estudar em escolas particulares, cursinhos, e ainda terão condições e de pagar cursos nas fundações privadas mantidas pelos professores da USP. Nós não temos as mesmas condições. Cada ataque a educação pública é um ataque aos negros e a classe operária. A educação é um direito, deve ser pública, gratuita e estar a nosso serviço.
           A burguesia quer nos afastar dos conhecimentos que são produzidos socialmente e que hoje apropriados de forma privada, mas não iremos permitir, esse conhecimento nos pertence. Iremos sim nos apropriar do que eles tem chamado de ciência, vamos aproveitar tudo o que for possível para nossa emancipação. Escreveremos a nossa história, e seremos sujeitos da construção de um novo mundo.
    Vivemos tempos dificieis, ao menos para as classes desfavorecidas. Nesses tempos tanto na educação, assim como em todos os outros setores, o que está em jogo é quem vai pagar pela crise?
    Há anos as universidades estaduais tem desferido ataques às três categorias, centralmente aos trabalhadores e estudantes numa tentativa de aos poucos ir precarizando cada vez mais alguns setores da universidade para facilitar a entrada das fundações privadas, terceirização e tantos mais projetos privatizações forem possíveis. Não é de hoje que se inicia essa guerra, mas hoje estamos vivendo um momento de inflexão. Em tempos de acirramento da luta de classes, com inúmeras greves operárias e lutas da juventude e dos movimentos sociais as reitorias das estaduais paulistas desferiram um grande golpe a toda comunidade universitária, e o fim dessa história pode dizer muito sobre os rumos da educação brasileira.
Corte das contratações de professores e trabalhadores, corte de bolsas para estudantes, demissão de terceirizados e por ultimo o 0%, que na prática significa uma diminuição do salário. Essas e outras iniciativas da reitoria aparecem como uma saída necessária para a crise orçamentaria. A crise orçamentaria na verdade aparece nesse momento como um ótimo plano de fundo para aprofundar ainda mais esses ataques e avançar a passos largos no projeto de privatização. E não é atoa que o primeiro ataque vem aos trabalhadores, categoria combativa que por anos lutou contra a precarizacão da universidade sem exitar. As reitorias mandaram o seu recado: que os trabalhadores e os pretos paguem pela crise.
    Pois bem, nos momentos de crise, quando não só os patrões, e nesse caso fica mais explicito, como o Estado coloca nas costas da classe trabalhadora as suas crises, os negros e negras, como setor mais precarizados da classe operária e do povo pobre é quem mais sofre. Nas estaduais paulistas não é diferente.
    A maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados são negros. E é esse setor, que já tem péssimas condições de trabalho e salário, que com o corte de 30% das unidades foram os primeiros a serem demitidos. Com essa demissão, além de deixar várias famílias abandonadas esperando por uma nova condição de emprego, também fazem com que os trabalhadores que ficam, vivam uma situação ainda mais precária de trabalho devido a sobrecarga. Com o mesmo salário se trabalha mais ainda e com muito mais medo de novos cortes.
    Mesmo entre os trabalhadores concursados também os lugares mais precarizados são em sua maioria ocupados por negros e negras, isso fica evidente para que passa pelos bandejões e reparam na cor dos que ali trabalham para servir nossas refeições. O numero de acidentes de trabalho, de doenças ocupacionais chega a ser assustador, esses trabalhadores e trabalhadoras há anos trabalham com uma sobrecarga de trabalho enorme,devido a falta de contratação de mais funcionários para ocupar esses cargos, e agora Zago e sua camarilha de burocratas não vai deixar que se abra mais concursos, ou seja, para cada trabalhador aposentado ou afastado, mais acidentes de trabalho, mais sofrimento e dor para esses homens e mulheres. Enquanto isso na burocracia acadêmica os professores continuam com seus super salários, acumulando cargos e dirigindo suas empresas terceirizados e fundações privadas.
    Podemos falar também dos que como eu estudam nessas universidade. Quando pensamos no corte de bolsas e de auxílios a permanência estudantil, não tenham duvidas, nós estudantes pretos e pretas somos os mais atingidos. Afinal, mesmo depois de passar pela grande batalha que é furar esse filtro social e racial do vestibular, ainda nos deparamos com a dificuldade que é ter que nos bancar na USP. Muitos de nós acabam nem terminando o curso, pois essas bolsas mal dão para nos bancar sozinhos, imagina os que precisam ajudar sua família.
           As mulheres pretas ainda tem mais um impecilio se tiverem filhos, onde vamos deicha-los para estudar e trabalhar? Há poucas moradias para mães, sem falar na pressão da assistência social para que não engravidemos e se estivermos grávidas para "dar um jeito". Um ataque brutal a autonomia do nosso corpo e a possibilidade de uma mulher que seja mãe de poder estudar.
    De modo geral também somos atingidos pelo desmonte da educação como um todo. Sofremos pelas condições precárias de trabalho, sofremos pela falta de vagas, pelo ensino básico precário, pelo filtro social do vestibular, pelas altas mensalidades das universidades privadas, com os baixos salários dos professores da rede pública, com a falta de nossa história nas escolas e universidades, pela dificuldade de formas nossos intelectuais que contêm a nossa verdade, enfim, poderia elencar aqui mais uma série de coisas.

          

           É preciso que nós negros nos organizemos na luta pela educação, nos aliando aos setores que defendem a educação ao serviço dos trabalhadores e do povo oprimido. E não podemos esquecer do que vários irmãs levantavam: que pra nós só uma saída radical é possível, já que essa sociedade não tem lugar pros pretos.
           Precisamos ter em mente a potencialidade revolucionária da classe trabalhadora, pelo seu papel na produção, sendo assim deve ser nossa luta cotidiana convencer os trabalhadores a se ligarem aos negros nessa luta, muitos deles saberão bem sobre o que estamos falando, porque também são pretos e pretas.
        Precisamos ter um programa que emancipe nossos irmãos, que sirva pra nos fortalecer, para nos ligar ao nosso aliados e nós educarmos para a luta que irá se seguir pela emancipação da humanidade.
       Nosso irmão Heuy Newton, em mensagem para a sessão plenária da convenção constitucional dos povos revolucionários, em 70 disse:
      No inicio do século XX, essa esperança, levou-nos a organizar um Movimento de Direitos Civis na crença de que o governo cumpriria o seu dever em relação ao povo negro. Nós não compreendíamos, no entanto, que qualquer tentativa de cumprir as promessas de uma revolução do século XVIII no quadro de uma economia e de uma sociedade do século XX estava fadada ao fracasso.
                Os descendentes dessa pequena comunidade que era constituída pelos primeiros colonos, não se encontram entre as pessoas simples de hoje; tornaram-se numa pequena classe dirigente que controla o sistema econômico mundial. A Constituição proclamada pelos seus antepassados para servir o povo, desde há muito que é inútil porque o povo não e o mesmo. O povo da sociedade do século XVIII transformou-se na classe dirigente do século XX, e o povo do século XX é constituído pelos descendentes dos escravos e da camada pobre do século XVIII. A Constituição criada para servir o povo do século XVIII serve agora à classe dirigente do século XX, e o povo atual continua a espera de leis que lhe garantam a vida, a liberdade e a procura da felicidade. O Movimento dos Direito Civis não conseguiu a promulgação dessas leis e, de fato, nunca a conseguiria dada a natureza da sociedade e da economia americanas. A perspectiva do Movimento de Direitos Civis era a de alcançar objetivos que dois séculos de transformações violentas modificaram profundamente.
                Consequentemente, o Movimento dos Direitos Civis – e os movimentos similares- não conseguiu criar quaisquer bases para a vida, a liberdade ou para a felicidade. Só criaram humilhantes, programas de ajuda social, de compensação contra o desemprego, programas que, embora conseguindo enganar o povo, são incapazes de modificar a repartição fundamental do poder e dos recursos deste país.
      Além disso, enquanto estes movimentos tentam integrar as minorias no sistema, vemos que o governo prossegue a sua política, a qual contradiz a sua retórica democrática.


           

    Assim como já época nos EUA, aqui no Brasil precisamos pensar como não cometer o mesmo equivoco que nossos irmão cometeram no movimento por direitos civis. Pra mim e pra outros pretos revolucionários como o C.L.R. James a saída está em como conseguimos ligar as demandas especificas do negros a um programa transicional.
Acreditamos que é impossível separar a questão negra da questão de classe, e que é preciso que nos liguemos aos trabalhadores, que tudo produzem, para que derrubemos toda a estrutura social e politica desse sistema que nos oprime e escraviza. Que por fora disso é impossível acabar com o racismo, um dos alicerces do capitalismo brasileiro. Nesse sentido nem a esquerda posse se abster de debater a questão negra com a profundidade que merece nem o movimento negro pode se abster de fazer o debate de classe, é preciso que caminhemos juntos. Essa caminhada conjunta também deve ser feita em cada luta que travamos inclusive essa da educação.
Um programa para a crise da USP deve ser um programa negro. Que se de a tarefa combater essa universidade racista e elitista construindo um projeto de educação a serviço da classe operária e dos pretos. Esse programa deve perpassar por:
Democratização radical da universidade - Não podemos permitir que essa corja de burocratas continuem gerindo essa universidade, é preciso acabar com o reitorado e seu conselho universitário. Ela deve ser gerida pelos três setores que a compõe professores, estudantes e funcionários de acordo com o seu peso. Isso só é possível com um processo de estatuinte que seja livre e sobreano, ou seja, que esse processo de luta dos três setores sirva como inicio da organização de um processo de mudança do estatuto da universidade, que não seja ligado ao C.O. como é o CAECO, projeto de auto-resforma da reitoria.
Mais verbas para educação a serviço dos trabalhadores e dos negros - Mais verbas para a educação é essencial para que possamos garantir uma educação de qualidade para que todos os nosso irmãos, mas essa discussão não pode estar separada da disputa do conteúdo dessa educação. Queremos sim mais verbas, mas para uma educação que esteja a serviço dos pretos, dos trabalhadores, que contem a nossa história, a nossa versão dos fatos de condições para nossa emancipação e não para a reprodução do capital e para o lucro da burguesia.
Fim da terceirização e incorporação dos terceirizados sem concurso: É evidente que a maior parte dos terceirizados que garantem cotidianamente o funcionamento das universidades são pretos e é nossa tarefa esta lado a lado com eles para que possamos acabar com esse regime de trabalhos semi-escravo. Esses trabalhadores e trabalhadoras ganham baixíssimos salários, sem quase nenhum direito trabalhista passando cotidianamente por situações humilhantes para garantir seus sustento de suas famílias. Com os cortes de verbas eles foram os primeiros a serem demitidos, não devemos aceitar nenhuma demissão, esses trabalhadores devem ser incorporados ao quadro de funcionários da universidade sem concurso público. Igual trabalho, igual salário para negros e brancos, terceirizados e efetivos.
Acesso: Sabemos da luta histórica dos negros pela garantia de cotas raciais nas universidades, as estaduais paulistas há anos se negam a aceitar qualquer projeto. Como mínimo devemos exigir cotas proporcionais aos negros do estado, pois não podemos aceitar que dentro das universidades públicas nosso povo não esteja representado pelos menos na proporção do nosso número no estado.  Como a historia já nos mostrou não devemos acreditar nesse estado racista, devemos arrancar as cotas por nossas próprias mãos e nada melhor do que faze-lo nesse processo de greve. Essa é uma tarefa imediata!
Mas para nós a luta por cotas não deve ser um fim em si mesmo, pois sabemos que muitos dos nossos ainda ficarão de fora das universidades publicas, por isso junto com a luta por cotas devemos levantar a luta pela estatização de todas as universidades particulares e o fim do filtro social e racial do vestibular, para que possamos garantir vagas para todos, o que é a única forma de garantirmos que todos os negros possam estudar em uma universidade. Não devemos separar as duas lutas, pois corremos o risco de nos deseducar. Nosso espaço não é só uma porcentagem no número de vagas, mas o direito de que todo negro passa estudar.
Permanência: Para que possamos ter reias condições de cursar o ensino superior é preciso uma politica de permanência efetiva, que garanta todas as condições para que possamos nos apropriar do conhecimento produzido na universidade e escrever com nossas próprias mão a nossa história. Sabemos que por conta do racismo estrutural de nossa sociedade, as pressões materiais de nossa vida geram inúmeras dificuldades para terminarmos nosso curso, sendo assim permanência deve ser um dos eixos centrais de nossa luta.

    Esse texto é um convite a todos negros e negras que estão em luta a pensar um programa que responda a essa crise, que consiga arrancar a vitória, não só para os que como nós já estão na universidade, mas para os nossos irmão que hoje não tem nenhuma perspectiva de poder estar ao nosso lado nos nosso curso. Esse será apenas um pequeno passo rumo a nossa emancipação, uma pequena experiência de onde podemos tirar grandes lições.
    Deixo o convite para que possamos avançar nessas discussões. Alguns dizem que a situação nas Estaduais paulista está preta, eu diria que não só a situação, como as próprias Estaduais vão ficar pretas.

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