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terça-feira, 8 de agosto de 2017

Os Panteras Negras e a Liberdade de Rafael Braga

Há 4 anos, Rafael Braga tem sido vítima da política anti-negro do Estado brasileiro de encarceramento em massa. Durante esse período houveram várias mobilizações, diversos setores negros vêm se organizando para garantir que essa história não seja esquecida e que de uma vez por todas a Justiça racista tire as mãos de nosso irmão Rafael.
 A partir de reivindicar as iniciativas corretas dos setores que se colocam em defesa desse jovem, gostaríamos de retomar alguns elementos da tradição dos negros norte-americanos, a partir das experiencias do Partido dos Panteras Negras, para auxiliar na reflexão de como defender nossos presos políticos. A experiencia desses irmãos pode nos abrir os olhos não só para a defesa de Rafael Braga, mas para a luta em defesa dos milhares de negros que estão ou serão encarcerados pela política anti-negra de encarceramento em massa.
As lutas em defesa da liberdade dos militantes do Partido dos Panteras Negras começaram a partir da campanha nacional, encabeçada pela organização, pela liberdade de seu fundador e dirigente Huey Newton. Huey foi acusado por homicídio de um policial em uma abordagem em outubro de 1967. Enfrentaria a penalidade máxima da morte na câmara de gás.
A organização entendeu que a liberdade de Huey deveria ser tomada como uma questão central, merecendo dedicação e força total de todo o partido. Esse julgamento não se tratava de um processo legal, mas de uma disputa política, se tratava da luta contra o Estado racista. Huey era um aviso aos que desejavam se levantar, e ao mesmo tempo, um ataque mortal aos negros que já estavam em luta.
Os Panteras viam o sistema político norte-americano como inerentemente injusto e anti-negro. Entendiam que a situação dos negros no país se assemelhava com a dos países colonizados (ou como chamavam, do Terceiro Mundo) e que a polícia norte-americana cumpria o papel opressor do exército estrangeiro. Nesse sentido, era preciso se livrar da opressão do imperialismo e resistir à sua estrutura racista.
As mortes e as prisões de afro-americanos eram crimes políticos, crimes de guerra. E a partir dessa visão o Partido entendeu que “apenas uma poderosa campanha política de massas poderia salvar a vida de Huey” (Black Against Empire). Era o momento de colocar o Estado no banco dos réus. A tática de defesa foi o ataque: “o partido reverteu as acusações do estado contra Newton, usando o caso para mobilizar o apoio e colocar os EUA em julgamento” (Black Against Empire).
A brutal mobilização em torno da campanha “Free Huey!” proporcionou tamanha pressão social, que obrigou a Justiça norte-americana à libertar Huey em 1970. Essa luta, mostrou aos próprios Panteras sua força política e os ensinou como defender seus militantes.
Uns dos gritos que ecoam em São Paulo pela liberdade de Rafael Braga é: “Rafael Braga, tem mais de mil...Tem que acabar com a polícia/PM/cadeia no Brasil”.
Essas palavras trazem de fundo parte essencial da ideia que levou os Panteras à arrebatadora campanha em defesa de Huey. O Estado brasileiro é estruturalmente racista, e há anos tem organizado um verdadeiro massacre de negros, a partir da morte pelas mãos da polícia ou pelo encarceramento em massa. E não por coincidência uma das principais justificativas é a “guerra às drogas” e a “criminalidade”.
Rafael, hoje, responde por tráfico de drogas, Huey respondeu pela morte de um policial. A tática de criminalizar a negritude para poder cometer as mais brutais atrocidades não é exclusividade do imperialismo norte-americano. A Justiça e os supremacistas brancos farão questão de mencionar nossos presos como criminosos, assassinos e traficantes. Não permitem e nem permitirão se quer o direito à dúvida, da defesa, não precisam provar a culpa de quem acusam, simplesmente acusam e a opinião pública acata.
Nós, por outro lado diremos: Asses são nossos presos políticos! Defenderemos sua liberdade até o fim! Não acreditamos nessa Justiça, pois não há justiça para os negros em um país estruturalmente racista. Eles são prisioneiros e mortos de guerra, ou melhor, de um massacre onde apenas o lado opressor possui poder bélico. Sabemos o óbvio, que estamos lidando com um Estado que permite à elite branca o lucro da venda às drogas e também a possibilidade de usufruir das drogas de melhor qualidade. Mas agora não estamos discutindo isso.
Nesse sentido, os Panteras Negras faziam questão de reiterar que: “O estado imperial americano opressivo negou aos negros poder político e econômico por isso, os negros não tinham a obrigação moral de obedecer às leis, eles tinham a obrigação moral de resistir” (Black Against Empire). As leis dessa democracia são anti-negras, os julgamentos dessa democracia também. Esse entendimento se expressou na demanda de julgamento de crimes cometidos por negros e contra negros por um júri negro, levantado nos 10 Pontos do partido.
A defesa de nossos presos, é parte central da luta contra o racismo. Devemos entender que todos os negros presos são presos políticos. A defesa de Rafael Braga deve ser apenas o aviso de que não permitiremos mais nenhum desses crimes, que defenderemos todos os nossos irmãos. Mais do que isso, deve ser a prova concreta de que lutaremos, assim como Zumbi e outros palmarinos até a nossa morte contra o racismo e a exploração.
Os Panteras também nos deixaram outras importantes lições. Passavam por um momento de mobilizações da juventude contra a guerra do Vietnã. Nesses processos de luta, a juventude branca de classe média teve algumas experiencias com a repressão, sentiram uma pequena amostra do peso da violência policial. O partido aproveitou o momento político para sensibilizar esse setor social, tornando a defesa de Huey o fio condutor da esquerda anti-imperialista. Era preciso massificar a campanha, mas mais do que isso, eles entendiam que existia um inimigo comum e como setor que se educava para ser a vanguarda revolucionária, acreditavam ser necessário unificar fileiras, em uma grande frente única contra o imperialismo norte-americano e seus crimes de guerra, dentro e fora dos EUA.
A primeira unidade do partido foi com uma organização chamada Partido Paz e Liberdade, sua principal atuação era na luta anti-guerra. Os Panteras tiveram de convencer esses jovens brancos de que não existia a possibilidade de garantir um julgamento justo para Huey, sendo assim, a única justiça possível seria sua liberdade. A principal contribuição da organização para a campanha de Huey veio a partir da colaboração financeira e da disponibilização dos materiais para os atos e falas públicas.
Um grande exemplo para a esquerda socialista, movimento estudantil e sindicatos no Brasil de como auxiliar na luta pela liberdade de Rafael Braga. Vejam, eles levavam o microfone para os Panteras falarem, não o tomavam no meio do ato. Não tentaram apagar a direção reconhecida pelos negros para poder dirigir o movimento, mas se uniram a esses valiosos protagonistas negros e aprenderam com eles.
Essa foi apenas uma das inúmeras alianças dos Panteras, em fotos históricas das mobilizações pela liberdade de Huey é possível perceber a presença de grupos de asiáticos, porto riquenhos e etc., muitos deles profundamente influenciados e auxiliados pelos Panteras.
Além de alianças com organizações, a campanha contou com o apoio de intelectuais e artistas importantes da época. Todo o poder e toda a força do Partido foi utilizada para garantir a liberdade de Huey, nenhum esforço foi poupado. E assim foram também as inúmeras campanhas pela liberdade dos militantes presos, as denúncias dos assassinatos policiais e dos ataques recorrentes.
Hoje, infelizmente, não temos uma organização que possa cumprir o papel fundamental que cumpriu o Partido dos Panteras Negras. Mas a iniciativa de alguns setores do movimento negro e de militantes negros tem feito com que a campanha pela Liberdade de Rafael Braga cumpra um importante papel na luta negra. A liberdade de Rafael depende exclusivamente da força política desse movimento, já que a Justiça não fará mais do que cumprir o seu papel de capataz dos modernos senhores de engenho.
Por isso, hoje, as lições das campanhas pela liberdade dos militantes do Partido do Panteras Negras se tornam tão necessárias. Só uma campanha de massas pode libertar Rafael Braga, é preciso unificar todas as nossas forças na defesa desse irmão. A luta é a única saída, e dela não desistiremos, assim como fizeram nossos irmãos que tombaram lutando liberdade e justiça.



Marcela de Palmares e Fabio Nunes.

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